fonte: Folha de SP

A Procuradoria Geral da USP decidiu fazer uma representação criminal contra Gilberto Chierice, professor aposentado do IQSC (Instituto de Química de São Carlos, órgão da universidade) e coordenador dos estudos sobre a fosfoetanolamina, a suposta “pílula do câncer”.

Segundo a USP, Chierice teria praticado dois crimes previstos no Código Penal ao distribuir a substância a pessoas com câncer durante mais de duas décadas. A investigação ocorre desde fevereiro.

Chierice disse à Folha que não pretendia fazer comentários sobre o inquérito. De acordo com Geraldo Souza Filho, delegado assistente da Delegacia Seccional de Polícia de São Carlos, o professor argumentou, em seu depoimento, que não praticou curandeirismo, porque só fornecia as pílulas a pacientes que chegavam até ele munidos de receita médica, além de não se beneficiar economicamente com a prática.

A reportagem também tentou entrar em contato com a Procuradoria Geral da USP por meio da assessoria de imprensa da universidade, mas não recebeu resposta até a conclusão desta edição.

Para a procuradoria da universidade, Chierice deveria ser responsabilizado por curandeirismo (artigo 284 do Código Penal) e por expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente (artigo 132). As penas previstas para os delitos são detenção de seis meses a dois anos e detenção de três meses a um ano, respectivamente. No caso da pena por curandeirismo, pode ainda haver multa caso o condenado tenha lucrado com a prática.

Souza Filho diz que já ouviu, além de Chierice, o atual diretor do IQSC, Germano Tremiliosi Filho, e o técnico Salvador Claro Neto, que foi orientando de doutorado de Chierice e ainda é responsável pela produção da “fosfo”.

“Também devo ouvir ex-pacientes e pessoas que estão passando pelo tratamento hoje”, afirma Souza Filho, “Quem vai avaliar se ele está correto é a Justiça, não me cabe opinar”, diz o delegado. “Certamente é apenas o início de um processo muito longo.” Souza Filho estima que o inquérito esteja concluído dentro de 45 dias.

APÓS DUAS DÉCADAS

Apesar da representação criminal feita neste ano, a USP passou cerca de duas décadas (de meados dos anos 1990 até 2014) sem interferir na fabricação e distribuição das pílulas da “fosfo”.

Um pesquisador do Instituto de Química que ainda está na ativa e prefere não se identificar diz que a prática era de conhecimento geral no instituto, mas que nunca houve um movimento para coibi-la por parte dos professores ou da direção do órgão.

A proibição só veio com uma portaria de junho de 2014, após a aposentadoria de Chierice. Pacientes passaram a usar decisões judiciais em seu favor para exigir que a produção e distribuição da molécula continuasse.

Hoje, a quantidade de processos sobre o tema que chegam à USP é tamanha que triplicou o volume de trabalho da procuradoria da instituição. Apesar de relatos favoráveis de pacientes, não há evidências científicas de que a “fosfo” seja eficaz contra tumores em seres humanos.

Os primeiros testes independentes da molécula, conduzidos a pedido do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), cujos resultados foram divulgados neste mês, não tiveram êxito –a ação antitumoral da moléculaparece ser nula ou muito fraca.