fonte: Folha de SP
O mundo médico primeiro duvidou, depois apostou e por fim vibrou quando, há alguns anos, começaram a ser lançados os primeiros imunoterápicos –anticorpos fabricados pelo homem que poderiam ajudar a tratar doenças como artrite reumatoide e vários tipos de câncer. O problema da celebrada novidade era o preço.
E ainda é, pelo menos enquanto não chegam ao mercado versões dos medicamentos conhecidas como biossimilares –cópias quase idênticas, mas que, por causa do processo de síntese biológica, podem ter pequenas diferenças em comparação à droga original, capazes de alterar a eficácia.
O tratamento com esses biofármacos tem vantagens, como alto índice de sucesso em alguns grupos de pacientes e efeitos colaterais mais toleráveis. No entanto, alguns podem custar até US$ 20 mil por mês, o que inviabiliza sua implementação no SUS e no sistema privado.
Para baratear, a alternativa seria esperar cair a patente dessas moléculas e criar versões ou “cópias” suficientemente boas delas. Mas biossimilares não são drogas ordinárias: têm uma estrutura mais complexa e mais chance de “dar errado”.
São necessários testes em animais e até em pacientes para aferir sua equiparabilidade com o medicamento-referência. Isso aumenta o custo e reduz o potencial “desconto” a ser oferecido no preço final. Na prática, os biossimilares custam cerca de 30% menos que os originais.
REGRAS E PREÇOS
Até alguns anos atrás, em boa parte dos países não havia uma regulamentação do que seria necessário para se criar um biossimilar. Isso permitiu um boom dessas moléculas na Índia, por exemplo.
Nesse país, já são vendidas ao menos 13 versões da molécula filgrastim e quatro de perfilgrastim, importantes para manter o funcionamento do sistema imunológico durante a quimioterapia.
A quantidade de competidores fez o preço despencar de US$ 2.000 para até cerca de US$ 30 por injeção. Na Rússia, o preço chegou a US$ 13. O problema, alerta o médico Gilberto Lopes Jr, do Grupo Oncoclínicas, é que é difícil atestar a qualidade dos biofármacos sem seguir a forma adequada de comparação com a droga original, o que inclui testes clínicos.
Sem isso, governos e médicos estariam dando cheque em branco ao apostar nessas drogas, e o valor a ser debitado podem ser a saúde e o tempo de vida do paciente.
Um estudo de Lopes Jr com colegas da Rússia e da Índia, que descreve a situação dos biossimilares em países de média e baixa renda, foi destaque no encontro anual da Asco (Sociedade Americana de Oncologia Clínica), que acontece entre 3 e 7 de junho em Chicago, nos EUA.
PATENTE
A bola da vez é o anticorpo trastuzumabe (Herceptin, da Roche). A farmacêutica Mylan conseguiu produzir um biossimilar “indistinguível” da molécula, usada para tratar câncer de mama, por exemplo. O estudo clínico de fase 3, que mostra a eficácia do tratamento, é outro destaque do encontro da Asco.
Hope Rugo, professora da Universidade da Califórnia em São Francisco e autora do estudo, disse que “muitos medicamentos biológicos perdem a patente em breve, e os biossimilares têm potencial para ampliar o acesso a essas drogas caras”.
A apresentação do estudo era aguardada por oncologistas de todo o mundo, que ainda estariam vencendo uma desconfiança com relação a essa alternativa terapêutica, opina o diretor da área de biossimilares da Pfizer, Luiz Henrique Arantes Jr.
A empresa lança neste mês um anticorpo biossimilar no país, o Remsima, versão do infliximabe, comercializado originalmente pela Janssen com nome Remicade.
É o primeiro lançamento do tipo no país e a expectativa é de que o preço do original caia 35%, para R$ 2.436. O anticorpo é usado no tratamento de artrite reumatoide, retocolite ulcerativa e doença de Crohn, por exemplo.
FUTURO
A consolidação dos biossimilares deverá acontecer ao longo da próxima década. Até 2020, um mercado avaliado em mais de US$ 50 bilhões perderá a proteção de patentes. Para alguns, contudo, é melhor não esperar tanto.
A Roche permitiu que a patente do Herceptin (trastuzumabe) expirasse em 2013. Ela lançou uma versão mais barata do biofármaco em parceria com empresa indiana e agora está questionando a similaridade e a qualidade de outras versões da molécula.
Uma outra alternativa para baratear preços é a de licença compulsória, que suspende a patente de drogas que tratam doenças importantes (como a Aids), o que pode servir de motivação para que indústria e governos conversem e reduzam o preço dessas drogas.
Simplesmente suspender uma patente pode ser muito ruim para o país, afirma o oncologista Carlos Gil, do Grupo Oncologia D’Or, do Rio. “Uma boa capacidade de negociação pode evitar represálias comerciais importantes de países de origem das patentes, como os EUA.”
Outra esperança para reduzir custos é a criação de sistemas que comparem os biofármacos entre si e prevejam corretamente a eficácia das moléculas, dispensando testes em humanos –o que ainda está um pouco distante.