Nós, da CIPERJ, somos Souza Aguiar. Com certeza somos. Mas também somos Getúlio Vargas, Antônio Pedro, Azevedo Lima, Albert Schweitzer, Rocha Faria. Todos tem bandidos internados. E todos não têm segurança, nem meios de proteção. Também somos o colega morto a tiros na Avenida Brasil quando voltava no plantão. Também somos a enorme equipe do Hospital dos Servidores do Estado, ouvindo o tiroteio que ocorreu nas imediações na última sexta à tarde, em pleno Porto Maravilha. Nós, telefonando uns para os outros para saber se todos estavam bem, apesar de tudo.
Somos nós, nós também, que temos maridos, mães, pais, filhos usando o WhatsApp para saber de nós quando o caos acontece. Quando a gente demora. Quando o jornal da TV relata o impensável. Quando todo mundo vê que talvez fosse menos perigoso trabalhar no MSF do que no Rio de Janeiro.
Somos nós que dividimos as madrugadas insones com a polícia mal equipada, os colegas da enfermagem mal pagos e extenuados, o pessoal da limpeza não pago. Todos cansados, terrivelmente cansados. Todos tristes, terrivelmente tristes. Somos nós que nos tornamos íntimos sem sermos amigos, porque, afinal, quem pode não ser íntimo sem ter nada, exceto riscos e desafios desproporcionais?
Sim, somos nós que temos medo. E continuamos mesmo assim. Sem saber até quando, sem saber a que preço.
Somos nós que estamos nas histórias dignas de Tarantino nos plantões da cidade partida. Somos nós.
Ameaçados pelos pacientes, sejam bandidos que usam a violência como instrumento, desesperançados que não creem em mais nada ou desesperados que temem perder o que não pode ser substituído. Nós. Assediados por gente que manda mas não assume nem reconhece. Nós, os médicos.
Nós, presos em barricadas feitas com camas velhas na madrugada do Souza Aguiar. Nós, que logo depois trincamos os dentes para operar nosso colega enfermeiro, azarado, dono de uma bala mais do que achada. Nós, que só podemos ter medo depois. Chorar depois. Tranquilizar o pessoal de casa depois.
Nós, na cidade olímpica, na cidade partida, na cidade em desordem, na cidade que não respeita os seus. Cidade Maravilha, território da beleza e do caos.
Até quando?
DIRETORIA CIPERJ