fonte: Folha de SP
Alguns laboratórios estão disponibilizando no Brasil o exame que ficou conhecido como “biópsia líquida”. Trata-se de uma análise a partir do sangue na qual é possível encontrar e analisar o DNA de células tumorais.
A alternativa “clássica”, a biópsia convencional, muitas vezes requer cirurgia, especialmente em órgãos internos, como o pulmão.
A existência de DNA no plasma sanguíneo (veja infográfico) não é inusual –pode acontecer com vários tipos celulares– e é por isso que a fração de DNA tumoral é pequena, geralmente menor do que 1%, o que acaba requerendo um cuidado especial com a amostra.
O DNA tumoral circulante, ou ctDNA, pode revelar mutações importantes, como uma no gene EGFR que pode estar presente em vários tipos de câncer, como o de pulmão.
Se ela existir, assim como acontece quando há outros tipos de mutação, é possível indicar medicamentos mais eficazes no combate à doença, como o erlotinibe e o gefitinibe, das farmacêuticas Roche e AstraZeneca, respectivamente.
Um dos laboratórios que está realizando esse tipo de análise é a Progenética Hermes Pardini. Segundo o diretor de pesquisa e desenvolvimento do laboratório, Mariano Zalis, uma das vantagens de fazer o teste com sangue e não com o tecido coletado na biópsia convencional (que é conservado em um bloco de parafina) é a quantidade de DNA que pode ser obtida nesse novo método.
É consenso entre médicos que o exame de sangue não substitui a biópsia convencional, mas ele pode ser especialmente útil para acompanhar a evolução do tumor (em uma frequência semanal ou mensal, por exemplo) e antecipar o surgimento de células resistentes –o que muitas vezes requer a troca de medicamento.
AAstraZeneca está selecionando alguns pacientes para fazerem o exame para detectar mutações no gene EGFR de graça. Normalmente, ele custa cerca de R$ 1.500.
Por enquanto, a iniciativa está disponível nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Goiânia –é necessário que o médico faça a requisição. A previsão é de que seja disponibilizado nacionalmente em agosto.
EVIDÊNCIAS
Recentemente, foram divulgados os resultados de um estudo americano de biópsia líquida com dados de 17 mil pacientes. Foram analisadas alterações genéticas em mais de 50 tipos de câncer. Entre 94% e 100% das vezes, a mutação encontrada no sangue correspondia àquela do tecido da biópsia.
A vantagem da análise convencional ainda é a informação histológica –que tipos de células participam daquele tumor e suas características químicas ou de forma, por exemplo. “Esse tipo de informação ainda é fundamental para a caracterização do tumor e para a definição do tratamento”, afirma o oncologista Daniel Herchenhorn, do Grupo D’Or.
O recurso da biópsia líquida será especialmente útil para pacientes que não podem ser rebiopsiados, ou seja, que não podem passar novamente por um procedimento invasivo como uma cirurgia.
Em 63% dos casos de câncer de pulmão analisados no estudo americano, a amostra obtida pela biópsia tecidual foi insuficientemente ou apenas parcialmente testada. Na análise sanguínea,o volume de material a ser testado é, na prática, ilimitado.
A técnica poderá ser usada como uma forma barata de rastreamento, “caçando” tumores em pessoas de grupos de risco. Ela também reduz uma desvantagem da biópsia tumoral, que é o risco de pegar uma região do
tumor que não representa adequadamente sua totalidade –existe uma variabilidade “geográfica” e o pedaço retirado é bastante pequeno.
Esse resultado seria um passo adiante na abordagem “agnóstica” do tumor, ou seja, deixando de lado onde ele está (pulmão, útero ou intestino, por exemplo) e se preocupando mais com suas características biológicas, como as proteínas e enzimas que ele produz, explica Philip Mack, da Universidade da Califórnia em Davis, que apresentou o estudo.
“É uma abordagem na linha de caracterizar o perfil genético do tumor e personalizar o tratamento. Já é algo real hoje no Brasil, no sistema privado”, diz Herchenhorn.
No estudo, a partir da análise do DNA tumoral circulante foi possível recomendar o tratamento ideal para 63,6% dos pacientes, o que inclui desde o uso de drogas já aprovadas pela FDA (espécie de Anvisa americana) até a elegibilidade para participação em testes clínicos.
O DNA tumoral circulante foi detectado em 83% das amostras de sangue analisadas. Boa parte dos casos em que isso não foi possível referem-se a câncer no cérebro, como glioblastoma.