armando_rovaifonte: O Globo

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) completa hoje 26 anos em meio a um cenário de crise econômica e desemprego, que torna ainda mais complexa a garantia de direitos. Apesar de admitir as dificuldades, o titular da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Armando Rovai, afirma que o Estado deve ir além da simples defesa do consumidor e focar na prevenção dos delitos de consumo. Perguntado se o projeto de criação de uma lista de produtos essenciais (cuja troca imediata seria obrigatória) foi abandonado, Rovai admite que, neste momento, o tema “não se encontra no âmbito da Senacon”. Ele afirma ainda que a diminuição da cobertura obrigatória não é o caminho para viabilizar os planos de saúde populares.

Depois de 26 anos de CDC, para onde devemos avançar?

Cremos que o foco principal de nossos esforços deva estar na construção de um ambiente de maior prevenção de conflitos e de danos ao consumidor. Ao longo desses primeiros anos, a tônica na defesa se fez sentir de forma muito nítida. Hoje, avançar na consolidação de uma sociedade mais apta a prevenir problemas e menos dependente de ações de simples reparação nos parece uma agenda virtuosa. Está no próprio CDC: proteção e defesa, nessa ordem.

Em países em crise econômica, houve pressão por redução de direitos. Como evitar que isso ocorra?

Crises econômicas costumam afetar todos os agentes do mercado. Trabalhar pela proteção dos direitos e interesses dos consumidores nesse contexto torna-se ainda mais desafiador. Nesse sentido, estamos retomando e ampliando agendas de interação com diversos setores. Exemplo disso são as conversas com o setor da construção civil para buscar um entendimento mais razoável sobre como proceder diante dos casos de rescisão contratual motivada pela impossibilidade de pagamento por parte dos consumidores.

A Senacon mudou o direcionamento com a mudança de governo? O corte de gastos chegou à secretaria?

A Senacon tem um histórico de realizações bastante relevantes em prol da defesa do consumidor. Não entendemos, assim, que se deva falar em transformações profundas ou estruturais, e, nesse sentido, vale o registro de que a estrutura da Senacon não sofreu qualquer enxugamento. Ainda assim, evidentemente, trata-se de um novo governo, que assume em um momento desafiador de nossa economia, o que traz impactos para a agenda de defesa do consumidor. Assumimos com alguns propósitos bastante claros, como avançar em trabalhos que propiciem a redução da judicialização dos conflitos de consumo, através da ampliação do Consumidor.gov, e a busca por uma melhor interação com os agentes reguladores do mercado.

Assim como a economia, a defesa do consumidor está em crise, com vários Procons enfraquecidos. O que a Senacon pretende fazer?

A defesa do consumidor passa por um momento em que está colocado um cenário bastante complexo. Apesar das dificuldades que sempre permearam a atuação do sistema, é essencial registrar que os Procons continuam atendendo a um número expressivo de demandas (mais de 2,5 milhões em 2015), com índices de resolução em torno de 80%. Continuam sendo, portanto, atores absolutamente indispensáveis.

O consumidor aguarda há tempos a divulgação da lista de produtos essenciais, que teriam troca imediata. O projeto foi abandonado?

Neste momento, o projeto não se encontra, de fato, no âmbito da Senacon. Diante da multiplicidade de fatores envolvidos, foi levado à discussão em uma série de fóruns.

Na saúde, os planos populares têm causado muita polêmica. Qual é a visão da Senacon?

Já recebemos o convite formal para participação no grupo de trabalho que tratará do tema. Pelo que se divulgou a respeito, esse grupo já teria construído um entendimento preliminar no sentido de que a redução das coberturas hoje fixadas no rol disciplinado pela ANS não seria o melhor caminho a seguir. Parece-nos muito claro, de fato, que a simples redução das coberturas não seria um caminho viável e implicaria um imediato aumento nos níveis de judicialização dos conflitos do setor, que já é bastante elevado. Teremos de nos esforçar na superação de visões mais polarizadas e abordar algumas questões centrais de forma mais técnica, como, por exemplo, modelos de remuneração dos serviços, investimentos do setor em planos de prevenção que prestigiem uma visão mais integral da saúde, entre outras.

Vários projetos para atualizar o código em temas como e-commerce e endividamento estão parados há mais de um ano. O senhor não acha que está demorando demais?

Questões complexas sempre suscitam debates mais aprofundados, é algo natural do processo legislativo. Em relação ao comércio eletrônico, já tivemos a entrada em vigência do Decreto 7.962/2013. Em relação ao superendividamento, já temos, na prática, um universo bastante expressivo de ações em curso. Ainda assim, continuamos acompanhando as tramitações e acreditamos que, em ambos os casos, devamos ter avanços em breve.