fonte: Folha de SP
Com camisola branca, em uma cama de hospital, Jéssica Almeida, 17, comia um hambúrguer. Ficou internada por um mês e, independentemente do sanduíche, emagreceu dez quilos. A grande perda de peso da garota, que pode indicar desnutrição, é comum em internações e aumenta o risco de complicações em pacientes.
A desnutrição atinge de 40% a 60% dos pacientes que dão entrada em hospitais da América Latina. É o que afirma uma revisão de estudos lançada em junho deste ano na revista especializada “Clinical Nutrition”.
A revisão incluiu 66 pesquisas de 12 países. A maior parte dos estudos é brasileira. Ao todo, foram considerados 29.474 pacientes.
“O paciente chega ao hospital e começa a ser tratado da doença principal, mas, infelizmente, a preocupação com o estado nutricional muito raramente faz parte do diagnóstico”, afirma Maria Isabel Correia, médica especialista em nutrição da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e líder da revisão.
Foi o que ocorreu com Jéssica ao dar entrada, com febre reumática, em um hospital de Porto Alegre. “Nunca perguntaram nada a respeito de alimentação.”
Existem diferentes formas de verificar um quadro de desnutrição. Se a pessoa perdeu peso sem querer ou se mudou a forma como se alimenta, ela está em risco, segundo Maria Isabel.
O Ministério da Saúde lançou este ano um Manual de Terapia Nutricional. O documento recomenda que “pacientes admitidos na unidade de internação hospitalar recebam a atenção da equipe responsável pela nutrição”.
A terapia nutricional inclui: triagem, avaliação dos pacientes em risco, cálculo das necessidades nutricionais, indicação de terapia e monitoramento.
Um paciente com risco ou então já desnutrido, além de ter a alimentação fortificada, pode receber a nutrição enteral (alimento por tubos no nariz) ou parenteral (alimentação pela veia).
TEMPO
Perder um pouco de peso durante a internação pode parecer algo sem importância, mas os quilos a menos normalmente significam agravamento das doenças, menor eficácia do tratamento e mais tempo no hospital. Além disso, cresce significativamente o risco de morte.
Um dos estudos analisados na revisão mostra que uma pessoa com alto grau de desnutrição tem três vezes mais chance de morrer. Enquanto os que possuem um grau médio de desnutrição possuem 4,1% de chance de morte, os com alto grau têm 12,8%.
“Há uma dissociação entre o que é recomendado pelas diretrizes e o que é praticado”, diz Maria Isabel.
A falta de atenção à alimentação dos pacientes também é ressaltada na revisão pela relação entre o tempo de internação e a evolução da desnutrição. Em todos os dados analisados, quanto maior o período internado, maior era a chance do paciente ficar desnutrido.
Maria Isabel afirma que há um consenso internacional de que 50% das pessoas internadas estão desnutridas. “Por isso que dizemos que a doença mais prevalente nos hospitais é a desnutrição”.
Jéssica foi visitada por um nutricionista só no quarto dia internada. A visita seguinte veio na segunda semana, após ser flagrada com o hambúrguer. A jovem estava emagrecendo e não comia bem.
A desnutrição pode ter várias causas, como a não aceitação da dieta hospitalar, a própria doença ou jejuns para realização de exames.
MASTERCHEF HOSPITALAR
Deixar os pratos mais coloridos, melhorar a textura e a apresentação da comida.
Os elementos, importantes em competições culinárias, como o MasterChef, são levados em conta nas refeições do HC (Hospital das Clínicas da USP), dentro da gastronomia hospitalar.
Além da doença e dos longos períodos de jejum aos quais os pacientes são submetidos, a falta de apetite quanto ao que é servido nos hospitais tem um peso grande na desnutrição.
“Todo mundo reclama da dieta hospitalar”, diz Maria Carolina Gonçalves Dias, nutricionista chefe do HC.
Muitos pacientes, por suas doenças, precisam de dietas mais restritivas. Estar longe de casa também é um fator agravante. “A dieta do hospital nunca é exatamente o que se está acostumado a comer”, afirma Maria Carolina.
A solução é deixar a comida do hospital mais atraente, o que vem dando bons resultados, diz a nutricionista.
O grupo de Maria Carolina fez um estudo sobre nutrição em 2006 no hospital. Ao analisar todos os pacientes internados, a surpresa. Quase 50% das pessoas analisadas estavam desnutridas.
Para Maria Carolina, os maiores responsáveis pela desnutrição hospitalar são a falta de protocolo, de equipes de terapia nutricional e falta de conhecimento na terapia.
A nutricionista diz que controlar os quadros de desnutrição não é difícil e que é um absurdo a persistência do problema em um hospital. “Só falta o paciente falar: ‘estou desnutrido, eu preciso que me tratem'”.
Segundo o Ministério da Saúde, as ações dentro da terapia nutricional, que visa melhorar as refeições oferecidas no sistema SUS (Sistema Único de Saúde), receberam um aporte 59% maior entre 2010 e 2015. No ano passado, R$ 99,77 milhões foram aplicados na área.
A pasta afirma que a “terapia nutricional integra os procedimentos ofertados nos hospitais públicos e nos serviços de saúde da atenção básica, por meio de 19 mil nutricionistas que atuam no SUS (UBS) e que integram 74% das equipes dos Núcleos de Saúde da Família.”
O ministério diz que busca fortalecer a Terapia Nutricional pela “elaboração de materiais e realização de cursos de capacitação de profissionais que integram as Equipes Multiprofissionais de Terapia Nutricional (EMTN).”