fonte: Folha de SP
Era uma noite tranquila de dezembro. Lisiane Carafini, 37, acordou para alimentar seu bebê e ouviu uma tosse estranha. Ela achou o marido, Leonardo Semprebom, irreconhecivelmente inchado. Era a primeira crise anafilática dele. Na segunda, morreu. Para evitar casos como esse, entidades lutam para trazer uma pequena “caneta” de adrenalina para o Brasil.
A anafilaxia é um processo alérgico grave que pode levar à morte. Ela ocorre no contato entre o organismo e alérgenos, substâncias que, mesmo aparentemente inofensivas, são tidas pelo corpo como um perigo. Leite, ovo, peixes, castanhas e crustáceos lideram a lista de causas da doença, segundo a Anafilaxia Brasil, projeto da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).
Semprebom nunca tinha tido crises. A primeira, sem explicação óbvia, foi no final de 2015. Os sintomas, clássicos do quadro clínico, foram tosse, partes do corpo inchando e fala difícil pelo aumento da língua.
A esposa, Lisiane, não sabia o que estava acontecendo e, por sorte, tinha uma irmã, médica, por perto.
Em casos de crise anafilática, o ideal é chegar rapidamente a um pronto-socorro. Contudo, entidades como a Asbai e a SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), afirmam que uma pequena “caneta” de adrenalina é a melhor opção para evitar a perigosa evolução das crises.
“Ter anafilaxia é você ter uma corda no seu pescoço”, afirma Elaine Gagete da Silva, coordenadora do grupo de anafilaxia da Asbai.
A caneta possui uma dose adequada de adrenalina para impedir o agravamento da crise anafilática. A pessoa faz a aplicação intramuscular do medicamento na coxa.
A adrenalina é importante para impedir que o plasma sanguíneo “vaze” dos vasos, invadindo os órgãos. Isso reduz a chance de inchaços, que podem fechar a garganta e levar à morte.
Elaine adverte que a caneta é só um procedimento de emergência, um primeiro socorro que possibilita a chegada segura até um hospital.
Nos EUA, a chamada EpiPen é vendida pela farmacêutica Mylan. Recentemente, a empresa foi criticada pelo aumento no preço do remédio. Em embalagens com duas ampolas, o valor passou de cerca de US$ 100 em 2007 para US$ 600 (R$ 1.970) em 2016.
PARA OS PEQUENOS
Em crianças os quadros de anafilaxia podem ser mais graves. “O sistema imunológico da criança não está completamente formado”, afirma Luciana Rodrigues, presidente da SBP.
Ana Carla Karam, 48, tem um protocolo doméstico para que a família possa comer fora. Seu filho, Gabriel Kern, 6, tem uma grave alergia a ovo. A cada refeição, Ana precisa perguntar ingredientes e até mesmo ver a embalagem do que foi usado no prato. “É estressante, porque não podemos dar bobeira.”
A professora, aconselhada por um alergista, passou a importar EpiPens. Aonde vai, ela leva uma consigo. Outra fica no colégio do garoto.
“A adrenalina autoinjetável pode salvar vidas”, diz Luciana. “Em poucos minutos o indivíduo pode morrer”.
Por ser importado, o remédio fica caro e pouco acessível para o público em geral.
‘OPORTUNIDADE’
Procurada pela Folha, a Mylan diz que “continua a explorar a oportunidade de trazer o autoinjetor EpiPen para o mercado brasileiro” e que “dessa vez não pode comentar além disso”.
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) afirma que não há pedido de registro do produto em análise ou aguardando análise. “É importante destacar que, para que um medicamento seja registrado e comercializado no Brasil, é necessário que uma empresa/laboratório solicite este registro”, diz.
O Ministério da Saúde diz que a epinefrina, conhecida como adrenalina injetável, está disponível no SUS. Segundo a pasta, o uso exclusivo em ambientes hospitalares visa evitar o uso indiscriminado do medicamento.
Segundo dados do Ministério, o SUS realizou, em 2015, 548 internações por choques anafiláticos. Em 2016 foram contabilizados 334.