teori-zavasckifonte: O Globo

A polêmica sobre o fornecimento de remédios de alto custo pelo poder público a pacientes sem condições financeiras para arcar com o tratamento está longe de terminar. Há duas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar dois processos que darão a diretriz para juízes de todo o Brasil em casos do tipo. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista e retomado ontem. Três dos onze ministros votaram, mas um novo pedido de vista adiou novamente a decisão para o caso e não há previsão de quando o tema voltará ao plenário.

Até agora, os três votos foram diferentes entre si. Se o restante dos oito ministros fizer o mesmo, ao fim do julgamento será preciso encontrar pontos em comum para formular uma tese. Como há repercussão geral, todo o Judiciário será obrigado a seguir a tese fixada na avaliação de processos semelhantes.

— Esses dois casos estão entre os mais difíceis com os quais o tribunal se defronta neste momento. Não há solução juridicamente simples nem moralmente barata aqui. Há escolhas trágicas, mas inexoráveis a serem feitas. Nessa matéria o populismo não é solução, mas parte do problema — disse o ministro Luís Roberto Barroso.

Os três ministros que votaram — Marco Aurélio Mello, Barroso e Edson Fachin — concordaram que o poder público tem a obrigação de arcar com o tratamento se ficar comprovada a insuficiência financeira do paciente e, também, se o remédio estiver incluído na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). Eles também concordam que, se houver necessidade de importar um remédio que não existe no Brasil, precisa ficar comprovado que o SUS não tem outro produto disponível com o mesmo efeito. Será necessário ainda um laudo médico informando que o medicamento é indispensável para o tratamento do paciente. O produto precisa estar cadastrado no órgão de fiscalização de saúde do país de origem.

Na sessão de ontem, Marco Aurélio, que é o relator dos processos, mudou seu voto e declarou que municípios, estados ou a União têm a obrigação de pagar pelos medicamentos, cadastrados ou não na lista do SUS, inclusive aqueles sem o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — no voto anterior o ministro mencionava a exigência do aval da Anvisa —, desde que o paciente comprove não ter condições financeiras para comprar.

Barroso e Fachin discordam. Para eles, os medicamentos do SUS devem ser fornecidos obrigatoriamente pelo poder público. Mas remédios não cadastrados na Anvisa podem ou não ser fornecidos pelo Estado, a depender do caso concreto. Para o paciente obter o direito, precisa comprovar que foi feito pedido de registro do medicamento na Anvisa, mas a agência demorou para analisar o caso. Depois dos votos, o ministro Teori Zavascki pediu vista dos processos para estudar melhor a questão.

O fornecimento de medicamentos de alto custo é motivo de constante reclamação dos governos dos estados, que alegam a falta de previsão orçamentária para cumprir decisões judiciais que obrigam o poder público a arcar com tratamentos caros. Barroso foi o único que disse, ao votar, que a responsabilidade com os custos provocados pelas liminares é sempre da União, e não dos estados.

“DECISÕES DESESTRUTURAM PLANEJAMENTO”

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que decisões judiciais obrigando estados, municípios e União a custear tratamentos caros desestruturam o planejamento e tiram recursos de outras áreas.

— As decisões, que atingem R$ 7 bilhões em ações judiciais contra estados, municípios e União, que estão previstos para este ano, não geram dinheiro novo, deslocam recursos de uma atividade programada, de vacinação, de atenção básica ou de média e alta complexidade, para uma outra atividade que foi priorizada pelo Judiciário e tem que ser atendida — disse Barros. — De uma maneira prática, desestrutura o planejamento feito por estados, municípios e União para aplicação de recursos de saúde.

Há duas semanas, quando o STF começou a discutir o tema, a advogada-geral da União, Grace Maria Mendonça, fez sustentação oral no plenário dizendo que esse tipo de decisão desestabiliza o sistema de saúde, porque compromete o atendimento a outras pessoas. O ministro Luís Roberto Barroso concordou com o argumento.

— O Judiciário não é o melhor locus para a tomada de decisão em saúde, nem na formulação de políticas públicas. Os recursos são limitados. A vida e a saúde de quem tem condições de ir à Justiça não é mais importante do que a vida e a saúde dos invisíveis ao sistema de Justiça — afirmou o ministro, ressaltando que, quando compra medicamentos por decisão judicial, de forma “pingada”, o poder público perde o poder de barganha e acaba adquirindo o produto pelo preço de mercado, sem o desconto possível em grandes compras.

A discussão começou a partir de processos apresentados por duas pacientes, uma do Rio Grande do Norte e outra de Minas Gerais. Atualmente, cerca de 27 mil ações de pacientes pedindo que o poder público custeie medicamentos estão paralisadas no Brasil, aguardando a decisão do STF, que terá repercussão geral.

Em um dos processos, Carmelita Anunciada de Souza pediu ao governo do Rio Grande do Norte medicamento para tratar miocardiopatia isquêmica e hipertensão arterial pulmonar e conseguiu. No outro processo, Alcirene de Oliveira pediu ao governo de Minas Gerais o fornecimento de um remédio para doença renal crônica e não obteve o direito, porque o produto tinha a comercialização proibida pela Anvisa. Os dois casos chegaram à mais alta corte do país por recursos.

Ontem, familiares, pacientes e grupos de apoio à causa fizeram protestos em Brasília, dentro e fora do plenário. Na opinião de Maria Cecília Oliveira, presidente da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (Afag), os recorrentes pedidos de vista têm impacto positivo sobre o processo. Ela acredita que os ministros estão qualificando o debate e votarão em favor das famílias.

— Os ministros estão mais cautelosos em razão da grandeza do que pode ocasionar essa decisão. Eles estão percebendo que existem outras nuances que precisam ser abordadas para não ocorrer prejuízo para o paciente, inclusive o de pagar com a própria vida. Quanto mais eles se conscientizarem sobre o assunto, mais verão que o maior problema é a estrutura do sistema, a legislação travada, a burocracia — analisou.