alfredo_guarischi_2fonte: Blog do Noblat/O Globo

A utilização de prontuário eletrônico tem sido defendida como uma ferramenta importante para melhorar a segurança do paciente.

Os burocratas hospitalares e de planos de saúde veneram a ideia, afinal ficam livres da caligrafia indecifrável de alguns profissionais de saúde e têm gratuitamente uma qualificada equipe de faturistas. Sim, os médicos e demais profissionais preenchem complicadas guias de controle de estoque, fatura de exames, medicamentos e procedimentos, gerando economia para os hospitais.

Na época romântica da medicina, era prescrito um medicamento e não um kit com medicamento, seringa e agulha, que leva o distorcido nome de “dose unitária”, na verdade “faturamento individualizado”. Esse vai diretamente para o controle de estoque e departamento de conta hospitalar. Se prescrevemos algo que o convênio exija uma justificativa específica, um formulário será imediatamente imposto para ser preenchido.

Médicos são cerceados, dispensam-se empregados administrativos, e os profissionais de saúde disputam computadores sempre ocupados, deixando estetoscópios e termômetros abandonados.

Mas o problema continua, pois a maioria dos hospitais não exige a utilização da certificação digital individual, pois para isso seria necessária uma rede de internet rápida com servidores possantes. Por isso, para ter valor legal, é preciso imprimir, assinar e carimbar manualmente todas as evoluções e prescrições, mesmo que ocorra uma única alteração, com enorme gasto de papel, tinta, manutenção de equipamentos etc. O volume dos prontuários aumentou, em vez de diminuir. Uma maldade com a natureza.

Recentemente, um dos meus pacientes, em tratamento num CTI, ao final do dia tinha 11 folhas impressas, decorrentes das 11 alterações necessárias em sua prescrição. Sobreviveu à doença, mas nesse dia poderia ter ocorrido três trocas de medicamentos, decorrentes do “vale o que está escrito”, pela confusão de folhas. Acabei ouvindo de um diretor do hospital que me “faltava treinamento no manuseio do prontuário”. O que eu disse? Deixa pra lá.

A prestigiosa revista médica Annals of Internal Medicine, no seu número de setembro,  publicou importante pesquisa que constatou que, para cada hora de atendimento com o paciente, o médico leva duas horas envolvido com o prontuário eletrônico, nos EUA.

Ufa!

Os pesquisadores sugerem que isso pode estar contribuindo para uma crescente insatisfação de pacientes e médicos. Esse estudo constata que os médicos disponibilizam 70% de seu tempo longe do cuidado direto com os pacientes, grudados em teclados e mouses.

O afastamento do paciente ocorre também com enfermeiros, técnicos, fisioterapeutas e demais profissionais que trabalham na beira do leito, também obrigados a preencher infindáveis formulários.

Os prontuários eletrônicos podem ajudar no futuro, mas o que temos atualmente é um letárgico, custoso e confuso desastre eletrônico.

Alfredo Guarischi é médico, cirurgião geral e oncológico, especialista em Fator Humano, Organizador do SAFETYMED e do GERHUS alfredoguarischi@yahoo.com.br