fonte: Estadão

Data do século 19 o relato da primeira grande epidemia de febre amarela no Brasil. A vacina apareceu um pouco mais tarde, mas já é produzida no País desde a década de 1930. Séculos de história, pesquisa e combate à doença não foram capazes de impedir o recente surto, com 43 mortes e 101 casos confirmados, além de mais de 400 registros em investigação, até sexta-feira.

Assim como a febre amarela, outras doenças centenárias (ou até milenares), como dengue ou sarampo, seguem preocupando até hoje populações do mundo inteiro.

Mas com tantos avanços na Medicina, o que ainda impede que essas patologias estejam erradicadas ou sob controle? A resposta não é simples. Inclui múltiplas razões e varia conforme o tipo de doença, segundo especialistas.

No caso da febre amarela e de outras doenças que infectam também animais, e não só humanos, a erradicação do vírus é praticamente impossível. “O ciclo silvestre da doença nunca vai acabar porque ela é também uma zoonose. Os macacos são o principal repositório e, por isso, o vírus vai continuar em circulação na natureza. Agora, o que não deveria acontecer é registrarmos casos em humanos. Isso tem a ver com falhas na vacinação”, afirma Pedro Luiz Tauil, médico e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).

São essas falhas outra importante causa do ressurgimento de doenças consideradas controladas. “Crescem no mundo movimentos antivacina, alguns ligados a grupos religiosos. Mas também temos problemas mais logísticos, como municípios brasileiros que não têm equipes de saúde móveis para promover a vacinação em áreas rurais”, diz o especialista.

O desaparecimento de surtos de algumas doenças também faz a população dar menos importância à vacinação, o que contribui para a ocorrência de novos surtos. Nos últimos anos, isso tem ocorrido no Brasil com coqueluche, caxumba e sarampo. Enquanto a cobertura vacinal registra leve queda, as mortes por coqueluche cresceram dez vezes entre 2010 e 2014, casos de caxumba tornaram-se frequentes em Estados como São Paulo e Rio e um surto de sarampo atingiu o Nordeste em 2014, após o País viver um período de 12 anos livre da transmissão interna do vírus.

“Apesar desses surtos, algumas dessas doenças têm condições de erradicação se a vacinação for adequada. Já conseguimos erradicar a varíola no mundo e a poliomielite em quase todos os países”, afirma Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Urbanização. Os especialistas destacam ainda que, para as doenças que ainda não têm vacina 100% eficaz, como a dengue, o crescimento das cidades e o adensamento populacional são razões para a dificuldade de contenção.

“Se não tem saneamento nem habitação adequada, o mosquito transmissor progride em altas densidades. Com a urbanização, hoje é impossível erradicar esses vetores. Por isso as pesquisas atuais trabalham em outras frentes, como os mosquitos transgênicos ou infectados por uma bactéria que os impeçam de transmitir doenças”, diz Tauil.