fonte: Folha de SP
Em seu artigo 6º, a Constituição consagra o direito à saúde como um dos pilares da sociedade que se imaginou construir depois que o país emergiu de um período de duas décadas de autoritarismo.
Pois bem -de que modo os promotores e procuradores de Justiça devem atuar para que esse direito da cidadania expresso na Carta Magna seja efetivamente exercido? Como ajudar a construir e efetivar políticas públicas para garantir o acesso de quem precisa aos tratamentos e remédios?
A resposta mais óbvia indica demandar o Judiciário, mas nem sempre o óbvio aponta o melhor caminho. Quem atua no direito deve levar em conta a realidade econômica e social em que o conjunto de normas se insere.
O Brasil apresenta grandes deficiências no campo social. Há muito por fazer no que tange à prestação dos serviços públicos. E é preciso fazer rápido, mostrando às novas gerações, para as quais os anos de chumbo são apenas um capítulo dos livros de história, que a democracia é a única via capaz de conduzir o país ao clube das nações mais justas e igualitárias do mundo.
Para alcançar esse objetivo, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) vem aprimorando uma forma de trabalho extremamente produtiva: a atuação integrada e em rede.
Foi a partir desse princípio que assinamos convênio com a Secretaria de Estado da Saúde no ano passado. O objetivo era reduzir o total de processos em que o Executivo se via obrigado a fornecer medicamentos ou prover tratamentos em virtude de sentença judicial.
Ao mesmo tempo, buscávamos uma prestação de serviço por parte do Estado que atendesse ao comando constitucional do acesso universal à saúde.
Membros do MPSP e técnicos do governo, a partir da análise das ações propostas no Estado, detectaram distorções que poderiam indicar fraudes. Em pequenas cidades havia maior incidência de doenças raras do que em São Paulo.
Atualmente, a Secretaria da Saúde cumpre cerca de 53 mil determinações judiciais. Estima-se que o custo anual da chamada “judicialização da saúde” chegue a R$ 1,2 bilhão.
O grupo de trabalho, ao qual se incorporaram posteriormente representantes do Tribunal de Justiça e da Defensoria Pública, definiu uma série de protocolos para possibilitar o atendimento das demandas dos pacientes, deixando a via judicial como última alternativa.
A lógica do programa parte do pressuposto de que movimentar a máquina do Judiciário custa caro e leva tempo.
No início de 2017, o assim denominado Acessa SUS passou a funcionar no AME Maria Zélia, na zona leste de São Paulo. Pacientes que necessitam de atendimento têm seus casos avaliados individualmente, antes de qualquer decisão judicial.
Se o medicamento prescrito faz parte da lista do SUS, o paciente é incluído nos programas de assistência farmacêutica já existentes.
Caso não esteja na lista, os farmacêuticos indicam alternativas no SUS para que o médico do paciente forneça nova receita.
Inexistindo outras opções ou na hipótese de o médico discordar da alternativa, abre-se solicitação para eventual inclusão do medicamento no SUS. Esses procedimentos são acompanhados on-line pelos promotores.
O que importa ao Ministério Público é transformar os direitos em algo efetivo, recorrendo à esfera judicial ou não, a fim de que a Constituição cidadã seja concreta, palpável.
A nosso ver, o Acessa SUS materializa o preceito constitucional do artigo 6º e revela o potencial da atuação em rede para superar os enormes desafios que temos para construir o país desejado por todos.
GIANPAOLO SMANIO é procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo. Doutor em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie