fonte: Estadão

Gastos com saúde, ciência e tecnologia não são gastos, mas investimentos. Quem faz o alerta é a nova presidente da Fundação Oswaldo Cruz, Nísia Trindade Lima. Primeira mulher a comandar a fundação em 116 anos de história, a gestora está nesta semana em Genebra para encontros na Organização Mundial da Saúde (OMS). Em meio ao debate sobre cortes orçamentários no governo de Michel Temer, Nísia sai em defesa da manutenção do Sistema Único de Saúde e de políticas que possam permitir ao Brasil desenvolver ciência, principalmente no campo médico.

Em entrevista ao Estado, ela ainda admitiu que a febre amarela não justifica uma corrida pela vacinação. Mas aponta que, de forma progressiva, a vacina contra a doença terá de entrar na carteira de vacinação e deverá ser incluída na política nacional de imunização. Para ela, porém, a inovação tem de ocorrer paralelamente ao tratamento de esgoto e a uma política de saneamento nacional.

Eis os principais trechos da entrevista:

Doenças tropicais como dengue, febre amarela e outras continuam a afetar o Brasil. O que pode ser feito para agir de forma mais eficiente?

Trata-se de um problema complexo que precisa ser respondido em várias frentes. A dengue afeta o Brasil há 30 anos e é uma das grandes preocupações. Mas precisamos associar uma política de saneamento, que é fundamental, com novas tecnologias de controle dos vetores. A política de saneamento é um dos grandes problemas enfrentados pelo Brasil. O que é ainda muito importante é um diagnostico preciso e nisso a Fiocruz tem liderado.

O Brasil pediu para usar estoque. Vacinar a população toda é uma boa solução ou deve ser um ato mais focado?

Alguns especialistas têm dito já há algum tempo o foco geográfico está progressivamente sendo revisto. Essa que é a questão. Não é uma emergência sanitária, pela própria característica da doença. Os focos são silvestres. Não se dão em área urbana, o que levaria a uma ação mais focada. Mas o fato é que hoje há uma grande circulação entre ambientes e há uma mudança nas áreas de matas. O desmatamento provoca uma consequência nas populações de macacos. Portanto, é um conjunto de fatores que exige um monitoramento permanente. A chave é adequando as estratégias de vacinação a isso. A tendência é que aquela faixa da população que ficava fora do campo de vacinação cada vez seja mais estreita. Não é uma política de emergência e não justifica um pânico, uma corrida em massa para a vacinação. Mas todos os especialistas e o Ministério da Saúde é para uma ampliação progressiva da vacinação.

Mas na avaliação da senhora seria bom uma vacinação da população inteira de alguns Estados?

Não é uma medida necessária e vários especialistas apontam isso. Mas o que se propõe também é uma progressiva ampliação da carteira de vacinação e incluir a vacina da febre amarela na política de imunização.

Mas o Brasil tem a capacidade de produzir vacina para abastecer suas necessidades? O governo acaba de recorrer aos estoques da OMS.

Historicamente, tivemos essa capacidade. Não apenas atendíamos ao Brasil, mas exportávamos. Nesse aumento, com o aumento da demanda, o que estamos fazendo é aumentar de maneira muito intensa essa produção e estamos em discussão com Ministério da Saúde para ampliar a produção atual. Hoje, já praticamente o dobro de uma capacidade que existia há dois anos. Foi algo muito intenso e a ideia é de que possamos produzir 70 milhões de doses, contra um total hoje de 30 milhões.  Isso pode ser feito até 2018.

As limitações orçamentárias impostas pelo governo afetam a Fiocruz e esses planos?

É muito importante um orçamento assegurado para as ações de saúde. No caso da febre amarela, o compromisso do Ministério da Saúde é com continuidade do financeiro, dada a importância nacional. Mas eu diria que essa é a resposta desse momento. É importante também pesquisas que permitam o próprio aperfeiçoamento da vacina e também suporte para a atividade de pesquisa para o conjunto de problemas que afetam o Brasil, tanto as doenças negligenciadas, como outros problemas. Tudo isso requer recursos e, por isso, nós na Fiocruz, sempre temos uma linha de afirmar a importância de que as populações não sejam negligenciadas e também que tenhamos uma visão do gasto em ciência e tecnologia, do gasto em política social não como gasto, mas como investimento para o País.

Mas a senhora a está preocupada com eventuais cortes no setor da Saúde?

Sim, com certeza. Temos trabalho na linha da defesa, não apenas da instituição, mas do Sistema Unido de Saúde e da política de ciência e tecnologia.

A senhora esteve com a diretora-geral da OMS, Margaret Chan. O que existe entre a Fiocruz e a entidade para o futuro? 

Podemos reforçar a colaboração para o futuro, tanto na área de doenças tropicais como pensando na resistência microbiana. Discutimos muito o fortalecimento do papel do Brasil e da Fiocruz no sistema de inovação global e a cooperação com os países africanos.