fonte: Folha de SP

A história da fosfoetanolamina, a “pílula do câncer”, teve início na década de 1990, com a distribuição de cápsulas pelo professor da USP Gilberto Chierice sem a existência de estudos que comprovassem sua eficácia. Decisões judiciais pró e contra sua oferta surgiram, e grupos pró e contra a pílula travaram disputas sobre seus benefícios.

A novela pode ter entrado em seu capítulo final nesta sexta (31), com a divulgação dos resultados de um estudo do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).

Após oito meses, a pesquisa financiada pelo governo do Estado de São Paulo foi suspensa por falta de “benefício clínico significativo” para os pacientes. De 59 pacientes avaliados até então, apenas um, que tinha melanoma, teve melhora do quadro clínico.

Esse paciente e aqueles que ainda estão em tratamento poderão continuar recebendo as cápsulas, mas não haverá novas inclusões.

Para participar do estudo era necessário estar em estágio avançado da doença e com histórico de falhas em terapias anteriores. Isso era necessário para verificar se apenas a fosfoetanolamina teria algum efeito –e não ela em combinação com outras drogas, como explica Paulo Hoff, diretor geral do Icesp e líder da pesquisa.

Ele afirma que o modelo do estudo (testes em grupos de 21 pacientes, com dez tipos de tumores diferentes) não foi feito especialmente para a “fosfo”, mas é o que é usado para qualquer novo tratamento.

Para que a pílula fosse considerada eficaz, esperava-se que pelo menos 20% dos pacientes tivessem melhora significativa da doença.

Para Hoff, o resultado está muito aquém do desejável e não há justificativa ética para continuar a pesquisa.

Inicialmente, o governo planejava gastar R$ 1,5 milhão na pesquisa, mas, segundo o secretário da Saúde, David Uip, o total não deve chegar a tanto, já que o número de pacientes será apenas uma pequena fração do número original previsto.

Por anos, as cápsulas foram produzidas e distribuídas pelo grupo de pesquisa da USP de São Carlos chefiado pelo então professor Gilberto Chierice, apesar da ausência de estudos que comprovassem a eficácia da substância. Sempre houve relatos anedóticos de casos de melhora e até de cura.

Regina Monteiro, integrante de um grupo de voluntários ligado ao professor Chierice que acompanhou o estudo, disse considerar a empreitada “insuficiente para dar todas as respostas” sobre a fosfoetanolamina, que recentemente começou a ser vendida como suplemento alimentar.

David Uip defendeu a pesquisa, dizendo que ela seguiu padrões rígidos de qualidade e que o estudo era necessário para “dar uma resposta ao clamor da sociedade”.

O caso do paciente que melhorou é visto com cautela por Hoff: pode se tratar de efeito placebo ou de uma cura espontânea, como em muitos outros casos. “Não é possível afirmar que a resposta aconteceu por causa da droga.” Para Gilberto Lopes Jr., oncologista da Universidade de Miami (EUA), é possível que seja um efeito tardio dos quimioterápicos, algo não tão raro com o melanoma.

Os demais grupos não obtiveram o resultado necessário para justificar a continuidade do estudo ou a ampliação do tamanho da amostra.

“Gostaria que esse fosse o fim da polêmica, mas acho que não será o caso. As pessoas têm fé tamanha na droga que nem os dados conseguem dissuadi-las”, diz Lopes

MORAL BAIXA

Ele relata que, em uma pesquisa realizada com 400 oncologistas, metade disse que atendeu pacientes que tinham usado a fosfoetanolamina. Mas apenas 5% disseram ter notado algum efeito benéfico.

“Os resultados indicam que essa não é uma droga ativa. Continuar o estudo seria submeter os paciente ao risco de serem tratados com algo que não funciona. É uma questão de bom senso e de segurança”, comenta Carlos Barrios, diretor do Grupo Latino Americano de Investigação Clínica em Oncologia.

O oncologista Fernando Maluf, chefe do Centro de Oncologia Clínica da Beneficência Portuguesa de São Paulo, lembra que apenas de 0,5% a 1% das droga testadas em humanos chegam ao mercado. Nesse caso, apesar da “pouca ortodoxia” do processo de desenvolvimento, a “fosfo” acabou caindo no mesmo grupo da maioria das moléculas investigadas –o de drogas rejeitadas por não serem eficazes ou por não serem melhores que aquelas s já disponíveis.

“O caso da fosfoetanolamina é o perfeito caso do maior absurdo que a medicina brasileira já viu. A droga era distribuídas em saquinhos plásticos, sem qualquer controle de qualidade, por um químico que achava que ela era fazia bem. Depois disso, houve um governo que tentou liberá-la para tentar fazer bonito com o povo às vésperas do impeachment”, afirma Maluf.

“A droga não tem futuro para quase ninguém ou para ninguém. E se insistirem, será por conta de uma impressão pontual, uma hipótese baseada em uma impressão possivelmente gerada pelo acaso”, diz.