fonte: GloboNews

Uma doença que não escolhe idade, sexo, nem classe social. É assim que especialistas descrevem a sífilis, transmitida pela bactéria treponema pallidum, principalmente por via sexual, mas também da mãe para o filho, durante a gravidez. A falta de tratamento pode causar cegueira, demência e más formações, no caso de fetos. Mas infectologistas destacam que o tratamento é rápido, assim como o diagnóstico, que pode ser feito com um teste rápido, com resultado pronto em dez minutos. No caso da sífilis primária, uma única dose de penicilina benzatina intramuscular já o suficiente para a cura.

O aumento dos casos da doença preocupa especialistas. O Dr. Alexandre Chieppe, subsecretário Estadual de Vigilância em Saúde, afirma que, desde 2011, vem sendo observado um aumento de casos de sífilis congênita e do número de casos na população geral. Desde o início dos anos 2000, a comunidade médica internacional já vinha alertando para o aumento do número de casos da doença. No Brasil, especialmente nos grandes centros urbanos, a infecção dava sinais de avanço rápido e preocupava as autoridades. Tanto que, em meados de 2007, a ONG do Rio de Janeiro “Centro de Educação Sexual”, junto com outros parceiros, lançou uma campanha de prevenção, estrelada por artistas como Glória Pires e o marido Orlando Moraes. E ainda a dupla Camila Pitanga e Tony Ramos.

O infectologista Gustavo Maia comenta que muitos pacientes se surpreendem com a volta de casos da doença: “Efetivamente é uma doença muito antiga, que está presente no imaginário popular, na literatura, nos filmes”. E esse fenômeno não parece ser exclusivo no Brasil. A Organização Mundial de Saúde estima que todos os dias sejam diagnosticados pelo menos um milhão de novos casos de infecções sexualmente transmissíveis por dia e, dentre elas, uma que chama muita atenção é a sífilis. Estima-se que, a cada ano, cerca de 131 milhões de pessoas são infectadas pela clamídia, 78 milhões pela gonorreia e quase seis milhões pela sífilis, sem contabilizar outras infecções sexualmente transmissíveis, como por HIV, HPV, herpes e hepatites virais.

O Dr. Francisco alerta para o aumento da sífilis congênita, sífilis gestacional e sífilis adquirida em todas as regiões do Brasil, e destaca o desconhecimento sobre a doença – não só em relação ao risco, como em relação às consequências da infecção: “Há comprometimentos muito sérios do sistema nervoso central, com doença neurológica, com quadros de demência, manifestações auditivas, oculares, com manifestações cardíacas e ósseas. É importante lembrar que não existe uma vacina. A única forma de prevenir a sífilis é através do sexo seguro”.

A população jovem de hoje, por não ter vivido tanto a epidemia de sífilis nas décadas anteriores, quanto o início da epidemia de aids, eventualmente pode estar se descuidando dos métodos de prevenção, como alerta o Dr. Alexandre Chieppe.

Dados do Ministério da Saúde revelam números preocupantes. Em 2010, foram notificados 1.249 casos de sífilis adquirida, a que se pega através da relação sexual sem camisinha. Em 2015, apenas cinco anos depois, esses números saltaram para 65.878, um aumento de mais de 5.000%.

Famosos que já foram vítimas da doença

O polêmico craque do Botafogo Heleno de Freitas fez muito sucesso – no campo e fora dele –  entre os anos 40 e 50 do século passado. De família abastada, formado em advocacia, mulherengo, boa pinta, elegante e frequentador da alta sociedade, Heleno morreu louco, vítima de sífilis aos 39 anos, num manicômio na cidade de Barbacena, em Minas Gerais. Talvez ele tenha sido a primeira celebridade brasileira vítima dessa infecção que, no passado atingiu, entre inúmeras outras personalidades, artistas importantes como os escritores Oscar Wilde, James Joyce, Baudelaire. Os compositores Beethoven, Schumann, Schubert. Os pintores Van Gogh, Gauguin, Toulouse Lautrec. Pesquisadores afirmam que o rei francês Luiz XV e o mafioso Al Capone morreram de sífilis. E, segundo alguns historiadores, até mesmo Lenin e Hitler teriam sido vítimas da doença.

Os primeiros relatos da sífilis datam dos primórdios da idade média, quando se alastrou pela Europa, contaminando figuras importantes do clero e da nobreza.  Na época, dizia-se que a infecção fatal – que posteriormente ficou conhecida como “a doença francesa” – era uma
Vingança da América contra os colonizadores europeus: Colombo teria regressado para o Velho Mundo carregando nas caravelas a bactéria da nova doença.

Os estágios da infecção

A sífilis pode ter três tipos de apresentação principal, como explicam a Dra. Brenda Hoagland e o Dr. Francisco de Oliveira. Na primeira fase da doença, que é a fase da lesão, muitas vezes, a úlcera desaparece espontaneamente depois de alguns dias ou semanas, levando ao paciente à falsa impressão de que ele está curado. Num segundo momento, que pode ser duas ou três semanas após a primeira lesão, surge um quadro clínico mais extenso, em que se pode ter lesões por todo o corpo, que podem muitas vezes ser confundidas com um quadro de alergia. Lesões nas palmas das mãos e nos pés também são comuns. O período contínuo, onde o paciente não tem sintomas, mas transmite a infecção, é chamado de sífilis latente. E nos quadros mais graves, que são anos de sífilis latente não diagnosticada, pode-se fazer um quadro muito grave de sífilis terciária, com manifestações neurológicas, e até alguns quadros de demência relacionados à sífilis não diagnosticada mais cedo.

Diagnóstico e tratamento

O acesso ao diagnóstico é fácil e está disponível em qualquer unidade de saúde, sem nenhum custo e com rapidez, segundo o infectologista Gustavo Maia. O resultado do teste rápido fica pronto em 10 minutos. O tratamento também é rápido e feito com penicilina, o primeiro antibiótico surgido na humanidade.

A Dra. Brenda Hoagland explica que, na sífilis primária, quando só se tem a ferida na região genital, normalmente uma dose de penicilina benzatina intramuscular já cura a pessoa. Na fase secundária, normalmente são feitas duas doses de penicilina benzatina com um intervalo de uma semana entre as duas. Já na fase latente, são oferecidas três doses.

Transmissão pela gravidez

O setor de neonatologia do Hospital Leonor Mendes de Barros é referência para gestação de alto risco na zona leste da capital de São Paulo. A pediatra Luciane Mancini, diretora do setor, afirma que atende grávidas de faixas etárias e níveis sócio econômicos diversos. Ela destaca que tem reparado muito no aumento do número de gestantes adolescentes internadas com a doença. “Isso é algo preocupante, porque eu noto que essas meninas grávidas não têm nenhuma informação. Além da própria surpresa com a gravidez, elas ainda se deparam com um diagnóstico de sífilis, que é uma doença que elas nem têm ideia do que seja, do contágio, e de como se trata. Não sabem sequer os riscos que isso pode trazer para a saúde delas e do bebê”.

Nos bebês, os sintomas são diversos. Segundo a Dra. Luciane, o pior é quando atinge o sistema nervoso central. O bebê pode apresentar microcefalia. “Não só o vírus da zika é responsável pela microcefalia. A sífilis congênita também causa convulsões, malformações múltiplas, deformidades ósseas, lesões de pele e renais. Para os bebês, a sífilis congênita chega a ser fatal”, destaca a médica.

Grávidas com sífilis podem sofrer aborto espontâneo no primeiro trimestre da gestação ou terem bebês prematuros, que terão muitas dificuldades para sobreviver. Com o tratamento adequado, a grávida pode ter 100% de chance de o feto não ser afetado pela sífilis. No Brasil, a notificação da sífilis em gestantes é obrigatória desde 2005. No ano seguinte, dados do Ministério da Saúde informam que foram registrados 3.508 casos. Em 2015, menos de 10 anos depois, os números chegaram a 33.381 – um salto de quase 900%. No mesmo período, o número de bebês infectados que morreram de sífilis pulou de 67 casos em 2006 para 221 em 2015. E esses números podem ser ainda mais expressivos, porque num país de dimensões continentais a subnotificação é uma triste realidade.