fonte: O Globo
Superlotação, falta de remédios e insumos e equipamentos quebrados. A lista dos problemas da rede de hospitais federais no Rio é longa, segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremerj). No dia 4 de abril, a equipe de fiscalização do órgão encontrou 53 pacientes internados na Unidade de Suporte de Emergência (USE), que, desde 2010, funciona em contêineres no Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), desrespeitando a capacidade máxima de 25 doentes estabelecida num acordo firmado com o Ministério Público Federal.
Segundo o presidente do Cremerj, Nelson Nahon, a situação é comum no HFB, onde a USE é conhecida como “emergência de lata”. No dia da visita do conselho, muitos pacientes estavam “acomodados” em cadeiras de sala de espera. Alguns ocupavam macas, espalhadas pelos corredores.
— Minha tia está numa área reservada, mas há muitos pacientes nos corredores, sendo atendidos em cadeiras. Outro dia disseram que ia ter fiscalização e os funcionários correram para arrumar tudo — conta a parente de uma idosa internada há 15 dias na “emergência de lata”.
O HFB, junto com os hospitais federais do Andaraí e Cardoso Fontes, são as unidades com mais problemas, aponta o Cremerj. Pelas estimativas do conselho, entre 40% a 50% das pessoas internadas no HFB têm algum tipo de câncer e passam dias recebendo atendimento nos contêineres. Ali, eles sofrem com falta de atenção adequada e dificuldade para realizar exames. Muitos já deveriam ter sido transferidos para enfermarias. No dia da vistoria, por exemplo, um homem com câncer de pulmão estava internado há 29 dias no local. Outros dois pacientes, um com tumor na laringe e o outro na mandíbula, já estavam internados, sem conforto, há 25 e 26 dias, respectivamente. O Cremerj diz que faltavam vários medicamentos, inclusive morfina. Na falta de enfermeiros ou auxiliares, a triagem de doentes estava sendo realizada por recepcionistas.
— Médicos, enfermeiros e auxiliares trabalham sob constante estresse porque sabem que não podem fazer os exames necessários nem oferecer medicamentos. Mas quem sai mais prejudicado é o paciente. Muitos morrem na fila de cirurgias ou sem iniciar o tratamento de quimioterapia — denuncia Nahon. — Em novembro, estivemos lá (no HFB) e constatamos que faltam 50% dos medicamentos necessários aos tratamentos de câncer na unidade. Não há sequer morfina. Cinco meses depois, a situação era a mesma.
Na fiscalização de abril, médicos do Cremerj constataram que um dos dois tomógrafos do HFB estava quebrado e o outro, segundo os médicos, encontrava-se inoperante. Passados dois meses, nada melhorou. O ajudante de pedreiro Mateus Sousa da Silva, de 18 anos, ficou dois dias na emergência, aguardando vaga para realizar uma tomografia em outro hospital da rede. A família conta que ele sofreu um acidente de trabalho na última quarta-feira e foi levado ao HFB por volta das 11h, mas precisou aguardar até a manhã de sexta-feira para ser submetido ao exame de imagem.
— Um portão espremeu o rosto e a cabeça dele. Na quarta, disseram que Mateus tinha de passar por um neurologista, mas o médico só apareceu no dia seguinte e nada pôde fazer porque o aparelho estava quebrado. Ele foi levado de ambulância para fazer o exame no Hospital do Andaraí — contou a mãe, a dona de casa Célia Santos Sousa da Silva.
Em março, durante uma vistoria no Hospital Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, a equipe do Cremerj se deparou com uma emergência superlotada. Faltavam leitos na enfermaria e nenhuma transferência de pacientes era feita. Havia pacientes internados há 25 dias, deitados em cadeiras reclináveis. E faltavam insumos, incluindo agulhas e clorexidina alcoólica, antisséptico indicado no pré-operatório.
No mesmo mês, o Cremerj esteve no Hospital do Andaraí. Lá, a emergência funcionava de forma improvisada numa área em que deveria estar o pronto-socorro pediátrico. O local foi fechado há uma semana, após um curto-circuito. No dia da visita, diz a equipe do conselho, havia apenas um médico no CTI para cuidar de 15 pacientes e foi constatado que “os 13 ventiladores mecânicos estavam sendo usados sem aparelhos de reserva; as cirurgias torácicas haviam sido suspensas por falta de ventiladores na área de recuperação pós-anestésica do centro cirúrgico.”
Para o Cremerj, o Ministério da Saúde está desmontando a rede federal no Rio. O conselho afirma que entre 43% e 45% dos funcionários são terceirizados. Boa parte deles estaria sendo dispensada.
O Ministério da Saúde nega que haja desabastecimento de medicamentos oncológicos na rede federal do Rio e também contesta a denúncia do Cremerj de falta de médicos nas unidades. Segundo o diretor de gestão do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Marcus Vinícius Dias, a maioria dos profissionais é concursada, mas ele não soube informar quantos médicos têm contrato temporário.
— Até maio, 216 contratos de diversas áreas foram encerrados em várias áreas da rede, mas, no mesmo período, 203 pessoas foram contratadas. Até agora tem acontecido as contratações — informou Dias, garantindo que não há risco de falta atendimento.