fonte: O Globo

Professora da UFRJ, Ligia Bahia vê com apreensão as iniciativas para diminuir a regulação do setor de saúde. Ela acaba de montar um grupo para estudar os efeitos da mudança na gestão dos planos.

Apesar da queda no número de beneficiários, as operadoras tiveram aumento de receita e lucro. Como avalia este cenário?

Embora as despesas tenham crescido mais do que as receitas, as operadoras tiveram resultado positivo devido aos investimentos financeiros. As operadoras estão se “financeirizando”, o que levou inclusive a uma mudança no perfil dos diretores do setor, hoje tem gente do mercado financeiro. E se o dinheiro vem daí, e não da atividade-fim, a mudança na gestão da saúde e na forma de remuneração deixa de ser uma urgência. É incrível que, numa das maiores crises do país, o setor continue a crescer.

As empresas, no entanto, alegam que as contas estão insustentáveis.

Esse chororô sempre foi muito estranho, pois quando as operadoras “querem se vender” param imediatamente de reclamar e mostram o quanto são lucrativas. Já vimos isso. É um discurso muito ambíguo.

Os reajustes das mensalidades são cada vez maiores. O setor alega que o peso da inflação médica — de custos médicos e hospitalares — é maior do que a média. Esse índice seria pressionado pelo aumento do uso do planos e as novas tecnologias.

Não sei se a inflação médica brasileira é tão maior do que a do dia a dia, pois não há transparência nessa questão no Brasil. Pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE, a inflação da saúde não é tão maior que o índice geral. A incorporação de novas tecnologias não representa só alta de custo, há procedimentos que se tornam mais baratos. Não sabemos sequer quanto é pago por procedimentos, honorários médicos. O consumidor deveria receber esse extrato, até para evitar fraudes e desperdícios.

Uma comissão na Câmara dos Deputados estuda mudar a lei dos planos de saúde. Como vê esse movimento?

Antes de 1998, o consumidor não tinha garantias. Foi essa lei que trouxe proteção ao usuário de plano de saúde. Qualquer mudança pressupõe um amplo debate, não pode ser uma imposição das empresas. E o que vemos, tanto na discussão da Câmara como na da ANS sobre planos acessíveis, é uma pressão por desregulamentação, redução de garantias, aumento de prazos de atendimento, redução de coberturas. Os planos de saúde serão um novo SUS?

O setor diz que vai quebrar sem essas alterações.

Ninguém quer que as empresas quebrem. Mas não consigo entender o que querem. Estão saindo de um sistema pré-pago, em que se arca com a mensalidade para ter um serviço, para pós-pago, com previsão de coparticipação de até 50% do cliente nos valores dos procedimentos. Na minha opinião, não é hora de desregulamentar, mas de aprimorar garantias.