fonte: Folha de SP
por MÁRIO SCHEFFER – professor da Faculdade de Medicina da USP, diretor da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e conselheiro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Enquanto o agravamento da crise política monopoliza atenções, no escurinho do cinema as empresas de planos de saúde se aliam ao mais impopular ministro que o setor já teve e investem em duas frentes, uma no Congresso e outra na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), para liberar a venda de pacotes de assistência médica mais baratos, porém de menor cobertura e de pior qualidade.
Em regime de urgência, comissão especial da Câmara dos Deputados quer levar ao plenário a revisão atual da lei dos planos. O perfil do ministro da Saúde, Ricardo Barros, que se elegeu deputado com doação do setor, é similar ao de integrantes da comissão.
Quem a preside é um colega do mesmo partido do ministro, o PP, e o relator, do PSDB, já provou fidelidade ao governo ao relatar a reforma trabalhista. Constam ainda, entre os membros, um deputado dono de plano de saúde e outros que tiveram campanhas financiadas por empresas do setor.
Além de legalizar os ditos planos populares, o que veio a público nas poucas audiências indica que um novo marco legal serviria para sepultar vários projetos de lei que pedem ampliação de coberturas assistenciais, para proibir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos, para rever o ressarcimento ao SUS previsto toda vez que uma pessoa que tem plano é atendida na rede pública e até mesmo para liberar totalmente o reajuste das mensalidades.
Em outra via, a mando do ministro da Saúde, a ANS aceitou, inexplicavelmente, considerar formatos populares desenhados pelas empresas.
Dois deles -o “plano simplificado”, que não inclui internação, atendimentos de emergência nem exames mais caros, e o “plano regional”, com cobertura ínfima conforme a disponibilidade de rede no município- são de autoria conjunta da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Unimed do Brasil e Confederação das Santas Casas.
Um terceiro produto, idealizado pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), prevê coparticipação do usuário no pagamento de pelo menos 50% do valor de cada procedimento realizado, além da passagem inicial obrigatória do paciente por um médico generalista, como barreira de acesso direto a profissionais e serviços especializados.
Sempre próximos de políticos, seja qual for o governo, empresários de planos de saúde fritam o peixe e olham o gato. Buscam tanto a aprovação pelo Congresso de nova lei que os favorece quanto o acolhimento de suas demandas pela ANS, atualmente reduto do PMDB do Senado, que escolhe ou aprova novas indicações e reconduções de diretores da agência.
Neste momento, resolução da ANS visa afrouxar as regras de fiscalização e reduzir drasticamente o valor das multas aplicadas sobre as frequentes negações de exames e consultas com especialistas.
Por inércia, a agência também permitiu o sumiço dos planos individuais e familiares do mercado, substituídos por contratos de pessoas jurídicas que autorizam maiores reajustes e rescisões unilaterais, dor de cabeça que atinge hoje 4,5 milhões de pessoas ludibriadas por corretores.
Com o ajuste fiscal, o Sistema Único de Saúde (SUS) vai encolher a partir de 2018, quando passa a valer o congelamento dos recursos públicos da área. O retorno do livre mercado dos planos de saúde só iria contribuir para acelerar a crise sanitária sem precedentes que se anuncia no Brasil.