fonte: Estadão
São raras as pessoas que não têm suas vidas em algum momento dilaceradas pelo câncer. Mais dia, menos dia, seja um amigo, um irmão, um cônjuge, um pai ou um filho, praticamente todo mundo perde alguém para a doença. E hoje isso é ainda mais comum do que no passado. Há uma geração, no mundo desenvolvido, um em cada três indivíduos corria o risco de ouvir o diagnóstico funesto: “Infelizmente, é câncer”. Agora, em alguns países, a ameaça paira sobre quase metade da população. Quanto mais as pessoas se livram de morrer de outras coisas, mais suas células acumulam os desgastes e imperfeições que levam ao câncer. O sujeito faz de tudo para viver mais e como recompensa ganha um tumor.
Em termos mundiais, o câncer só mata menos do que as doenças cardíacas. Em 2015, 8,8 milhões de pessoas morreram em decorrência de tumores malignos, 75% das quais em países de renda baixa e média. Entre 2005 e 2015, observou-se aumento de 33% no número de casos, em razão principalmente do efeito combinado do envelhecimento com o crescimento populacional. Nos próximos 20 anos, a taxa de novos casos deve chegar a 70%.
Tal difusão é contrabalançada pelo fato de que, nos países desenvolvidos, o câncer está se tornando menos letal. Atualmente, nos Estados Unidos, 67% dos pacientes oncológicos têm sobrevida de pelo menos cinco anos. A progressão da doença varia conforme as particularidades do câncer e do próprio paciente. No caso de alguns tumores, como o de pâncreas, a ciência fez pouquíssimos avanços. Mas, de modo geral, há razões para otimismo.
Novas ferramentas de pesquisa, como a produção facilitada de anticorpos, o sequenciamento genético acelerado e os métodos cada vez mais simples de engenharia genética, estão revolucionando o entendimento que os biólogos têm do câncer, viabilizando o desenvolvimento de terapias mais específicas. Além disso, o arsenal da biologia molecular já não está confinado aos laboratórios. Por meio de testes genéticos, é possível identificar as vulnerabilidades específicas do tumor de um paciente em particular. Seus anticorpos podem ser instruídos a atacar as moléculas que desembestaram a se multiplicar desordenadamente. Suas células podem ser modificadas para enfrentar melhor a doença.
E a década atual assistiu ao surgimento de uma abordagem terapêutica inteiramente nova. A ideia de pôr o sistema imunológico para combater tumores com todas as suas armas, que há pouco tempo não passava de um sonho, tornou-se prática médica, com terapias aprovadas para oito tipos de câncer. Nos congressos de oncologia, o entusiasmo é palpável.
Tais avanços têm levado as autoridades sanitárias a agilizar a aprovação de novos tratamentos para doenças com alto grau de letalidade. Se, por um lado, isso faz com que cheguem ao mercado drogas extremamente caras, mas com pouco ou nenhum efeito benéfico, por outro, impulsiona uma onda de investimentos e inovações sem precedentes. O número de drogas oncológicas em desenvolvimento aumentou 45% nos últimos dez anos. Atualmente há 600 delas sendo desenvolvidas por empresas de biotecnologia e laboratórios farmacêuticos.
O cenário não é de todo róseo. Para os mais pobres, a prevenção e o tratamento ainda são precários. Em muitas partes do mundo, o acesso a medicamentos quimioterápicos e analgésicos básicos é restrito. E os problemas não se limitam às nações mais pobres. A incidência de tumores provocados por maus hábitos alimentares, obesidade, consumo excessivo de álcool e tabagismo poderia ser significativamente reduzida nos países ricos. A vacinação contra o vírus do papiloma humano (HPV) é rotineira em Ruanda, mas nos EUA ainda é limitada — o que significa que milhares de mulheres americanas desenvolverão tumores cervicais que poderiam ter sido evitados.
No entanto, mesmo que algumas tarefas simples estejam sendo tragicamente negligenciadas, os avanços não são apenas possíveis. Estão acontecendo.