fonte: Estadão
Contrariando um parecer da sua própria equipe técnica, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) recusou incorporar seis exames e técnicas cirúrgicas no rol de procedimentos mínimos, uma lista de serviços obrigatórios que planos de saúde devem oferecer para seus usuários. A sugestão era garantir o acesso a novas técnicas de laparoscopia e novas possibilidades para o uso do PET CT, um exame indicado para pacientes que têm ou tiveram câncer, mas a sugestão foi negada.
A justificativa de parte dos diretores para a recusa é de que não havia estudo que mostrasse que o investimento teria o retorno esperado, chamado de custo-efetividade. Também foi argumentado que alguns dos exames não tinham cobertura em todo o País, o que poderia acarretar um aumento de ações na Justiça.
“Foi uma decisão política, que desconsiderou todos os argumentos técnicos”, afirmou o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, Juliano Cerci. A associação deve encaminhar um protesto para a ANS e já se prepara para recorrer à Justiça, caso a decisão não seja revista.
A Associação Médica Brasileira adotará estratégia semelhante. “A decisão foi clara. Desconsiderou-se o bem estar do paciente para privilegiar o interesse das operadoras, das empresas de planos de saúde”, afirmou o diretor da AMB, Emílio Zilli.
O rol de procedimentos mínimos é revisto a cada dois anos. Ele é preparado para garantir a usuários de planos de saúde o acesso a técnicas mais modernas e seguras e, ao mesmo tempo, dá previsibilidade para os gastos de operadoras. Para preparar a nova lista de cirurgias, exames e medicamentos que empresas obrigatoriamente devem oferecer para seus clientes, várias reuniões são feitas a partir de sugestões de médicos e associações. Uma consulta pública também é realizada. Neste ano, foram 5.300 contribuições.
Durante a tensa reunião, realizada nesta segunda, a equipe técnica da ANS não escondeu a indignação ao notar o desfecho da reunião e a recusa das recomendações. Entre os argumentos usados pela equipe de assessores, estava o de que pacientes seriam prejudicados, técnicas que trariam mais conforto deixariam de ser usadas em consequência de exigências que boa parte de agências reguladoras no mundo não faz.
Em nota, a ANS afirma que não houve rejeição do parecer da área técnica. “A proposta apresentada não continha as informações e a fundamentação necessárias para a tomada de decisão dos diretores, inclusive com vistas a proteger a saúde dos beneficiários”, justificou a agência. Ainda de acordo com a agência, os estudos de custo-efetividade começaram a ser pedidos em 2013.
A assessoria técnica da ANS apresentou estudos que mostravam o impacto orçamentário da inclusão das novas técnicas. De acordo com a equipe, os dados indicavam que a incorporação deveria ser feita e não trariam impacto significativo para operadoras. O cálculo indicava que a adoção das técnicas traria um acréscimo de despesas de 0,84%. A equipe alertou que dados eram superestimados. Não havia sido incluída na conta a economia com dias de internação ou com a dispensa da realização de novos exames.
A equipe argumentou ainda que estudos de custo-efetividade, cobrados por parte dos diretores, não estão disponíveis para todos os procedimentos e, além disso, não são usados em todas as agências reguladoras. A justificativa foi desconsiderada. Um dos diretores chegou a citar estudos de impacto feito por associações de planos de saúde, em um porcentual maior do que o apresentado por sua equipe. Técnicos, no entanto, observaram que o estudo estava crivado de falhas metodológicas.
Para o professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Mário Scheffer, ao resistir em incorporar novos procedimentos mínimos, a ANS se antecipa à regulação pretendida pelas operadoras. “É uma mostra do que está por vir.”
Scheffer lembrou que está em discussão na Câmara dos Deputados um relatório para mudar a lei de planos de saúde que justamente atende a essa lógica. “O relatório é claro ao condicionar a inclusão de novas terapias à avaliação de custo”, disse.
O professor considera ainda os critérios de incorporação pouco transparentes. “Essa decisão mais recente não se baseia não em necessidades de saúde mas no suposto impacto econômico, no repasse aos reajustes, alegado pelas empresas”, completou
Atualmente, o exame PET CT tem nove indicações na saúde suplementar. A sugestão era ampliar essa lista, oferecendo também para acompanhamento de pacientes com câncer de tireoide e para epilepsia refratária. Parte dos diretores da agência criticou o fato de o exame não estar disponível em todo o País. Não há aparelhos em três Estados – onde é atendido 1% dos usuários de planos de saúde.
“Não faz sentido abrir mão de assistência a 99% dos consumidores”, afirmou Cerci. Ele observa que, para outras indicações do PET, isso também acontece e nunca foi empecilho. A equipe técnica da ANS apresentou o mesmo argumento e observou que, nos locais onde o exame não é ofertado, poucas foram as demandas para a realização. “A aparelhagem é cara. Não faz sentido ter um centro em todos os locais. Essa é a lógica na assistência da saúde, é preciso trabalhar em escala.”
A ANS afirmou que, no novo rol, 18 itens serão incorporados. A nova lista passará a valer a partir do próximo ano. Durante a reunião, foi acertada ainda a formação de um grupo de trabalho para avaliar a inclusão de novas terapias. Questionada se a pouca quantidade de estudos sobre custo-efetividade para procedimentos na literatura não iria dificultar a inclusão de novos procedimentos mínimos obrigatórios, a agência respondeu que “estudos são necessários para qualquer proposta de incorporação ao rol”. “A revisão continuará normalmente, porém com seus procedimentos aprimorados.”
Veja a lista de procedimentos negados:
DUT de PET CT
· PET CT oncológico para pacientes com neoplasias de tireoide
· PET CT neurológico para pacientes com epilepsia refratária ao tratamento medicamentoso
Cirurgias laparoscópicas
· Septoplastia por videoendoscopia – para a correção do septo nasal
· Ureterolitotomia laparoscópica unilateral – para tratamento de cálculos renais
· Sinusotomia esfenoidal por videoendoscopia – para tratamento de sinusite
· Sinusotomia frontal intranasal por videoendoscopia – para tratamento de sinusite