fonte: El País Brasil

Se a vida é um passeio pela selva, o câncer de pâncreas é um tigre. É extremamente sigiloso e, quando a pessoa nota sua presença, geralmente já é tarde demais. Enquanto a sobrevivência ao câncer aumenta em todo o mundo, o golpe contra o pâncreas costuma ser letal. Menos de 5% dos pacientes sobrevivem ao tumor pancreático mais habitual, o adenocarcinoma ductal.

Paco Real, nascido em Barcelona em 1957, é um caçador de tigres. Sua equipe do Centro Nacional de Pesquisas Oncológicas (CNIO) de Madri procura sinais que alertem para a chegada desse inimigo invisível. “Cerca de 80% dos pacientes são diagnosticados quando a enfermidade já está muito avançada”, explica. “Portanto, só 20% podem ser tratados com cirurgia. E, por outro lado, é um tumor que responde insuficientemente ao tratamento”, lamenta o pesquisador.

Uma equipe internacional liderada por Real acaba de descobrir em ratos o “grid de largada” do câncer pancreático: um estado pré-inflamatório desse órgão com forma de pera alongada, localizado entre o estômago e a coluna vertebral. A descoberta, publicada nesta quinta-feira na revista Nature, poderia servir num futuro ainda longínquo para “identificar pessoas que têm um maior risco de desenvolver um câncer de pâncreas, para que sejam diagnosticadas antes”, segundo Real.

“A inflamação é uma faca de dois gumes. É um mecanismo protetor que foi selecionado durante a evolução para responder a agressões externas. Mas, quando a inflamação persiste, tem um efeito negativo sobre a saúde e pode favorecer o desenvolvimento de tumores”, aponta o oncologista.

Seu novo estudo revela que a inflamação não é uma resposta defensiva que começa do zero diante de um ataque, e sim uma ferramenta que está sempre em stand-by nos tecidos saudáveis do pâncreas, para o caso de precisar agir. Para Real, trata-se de “uma mudança de paradigma”. O interruptor da inflamação é um gene, o NR5A2, envolvido na atividade normal do pâncreas, mas que ao mesmo tempo reprime os fenômenos inflamatórios.

“É um estado de pré-inflamação genética”, descreve Isidoro Cobo (Cádiz, 1987), pesquisador do CNIO e primeiro signatário do estudo. “O patologista pode ver um pâncreas normal, quando não é normal”, alerta. Em ratos, quando há níveis normais da proteína NR5A2, codificada pelo gene, não há inflamação. Mas, quando os níveis de NR5A2 caem, os programas inflamatórios se ativam e aumenta o risco de desenvolver câncer de pâncreas. Além disso, observou-se que as pessoas com determinadas variantes deste gene são mais propensas a sofrer um tumor pancreático.

O patologista Michael Karin, da Universidade de Califórnia em San Diego (EUA), aplaude o novo estudo, “importante e inovador”, do qual não participou. Entretanto, salienta que o trabalho ainda “não nos diz como proteger ou tratar o câncer pancreático”, embora confirme que o tumor “é muito dependente de lesões crônicas”.

A oncologista italiana Paola Martinelli, pesquisadora da Universidade Médica de Viena e coautora do trabalho, é mais otimista: “Uma vez que sejam identificados pacientes com a mutação do gene NR5A2, talvez possam receber um tratamento com anti-inflamatórios para diminuir o risco de câncer. Agora se pode pensar em uma terapia preventiva”.