fonte: CFM
Pouco menos que a metade das vagas para programas de Residência Médica (RM) no Brasil estão ociosas. Essa é uma das conclusões do estudo Demografia Médica no Brasil – 2018, desenvolvido pela Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e com o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp). Esse percentual materializa a exata distância entre a capacidade potencial ou pretendida e aquilo que é possível realizar com as condições oferecidas.
Os dados revelam que, enquanto as vagas preenchidas somam 35.178, o total de autorizações chega a 58.077. A diferença corresponde a 22.899 vagas não ocupadas, equivalentes a 39,4% do permitido pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM). A distância é mais acentuada no período inicial de formação (R1), no qual 16.499 das 22.432 vagas liberadas, em 2017, foram de fato ocupadas, ou seja, uma diferença de 5.933 vagas ociosas.
“Sob o risco de sérios prejuízos ao processo de formação de médicos especialistas – essenciais ao sistema de saúde brasileiro –, é preciso compreender melhor e superar os vários obstáculos que impedem a qualificação e o pleno preenchimento de vagas de Residência Médica”, alerta o presidente do CFM, Carlos Vital, que tem demonstrado grande preocupação com os problemas que afetam a formação de especialistas.
Autorizadas – Em 13 unidades da federação, mais de 40% das vagas não foram ocupadas. São Paulo tem 7.158 vagas não preenchidas, totalizando 37,1% das vagas que foram autorizadas pela CNRM para o estado. O Maranhão, que já tem a menor razão de vagas autorizadas por 100 mil habitantes, tem também a maior porcentagem de vagas não preenchidas: das 406 autorizadas, 57,9% estavam ociosas em 2017. No Ceará, 53,7% das vagas também não estão preenchidas. O censo realizado pela Demografia Médica revela que, em 2017, o Brasil tinha 35.187 médicos cursando RM em 6.574 programas de 790 instituições credenciadas. De acordo com o trabalho, há programas autorizados de RM 55 especialidades médicas e nas 59 áreas de atuação reconhecidas pela Comissão Mista de Especialidades (CME), composta pela CNRM, pelo CFM e pela Associação Médica Brasileira (AMB).
Na busca de entender as dificuldades, a Demografia Médica se debruçou sobre o número de vagas autorizadas pela CNRM sobre quantas destas deixaram de ser ocupadas ou preenchidas. Entende-se que a oferta de vagas de RM depende da sua regulamentação, do financiamento de bolsas, das políticas de incentivo, da capacidade das instituições e programas credenciados, dentre outros fatores.
Ociosidade – Por sua vez, os problemas que levam à ociosidade das vagas se manifestam de diferentes maneiras. O diagnóstico inclui problemas como a desistência de candidatos selecionados; as falhas no registro de dados sobre a ocupação de vagas; a menor demanda em relação à oferta ampliada em determinadas especialidades, ou seja, mais vagas do que candidatos; o desinteresse dos egressos por programas de pouca tradição; e as dificuldades ou atrasos de financiamento de bolsas.
O preparo inadequado dos programas para acolher os alunos também interfere neste cenário. “O planejamento do programa, por vezes, se mostra incompatível com a real capacidade de implementar as vagas. É quando se percebe que não existem preceptores em quantidade sufi ciente ou que são inadequados os campos de prática”, alerta o conselheiro Lúcio Flávio Gonzaga, coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM, que tem analisado essa conjuntura.
Sudeste e Sul concentram a maior parte dos residentes distribuídos pelo País
Os médicos residentes estão distribuídos de forma desigual no território nacional. A região Sudeste tem 58,5% dos 35.178 residentes inscritos em 2017 em todos os programas – mais da metade de todo o País. Essa tendência também é característica da distribuição dos médicos especialistas já titulados e em atividade, assim como dos não especialistas.
Por sua vez, a região Sul tem 5.631 residentes, equivalentes a 16% do total nacional. O Nordeste reúne 14,2%, o Centro-Oeste, 7,2%, e o Norte tem o menor grupo de residentes – 1.449, ou 4,1% –, a maioria deles em programas de dois anos de duração (R1 e R2). Somados, Sudeste e Sul reúnem praticamente três quartos de todas as vagas de RM do País.
Quando se considera as vagas ocupadas de Residência em relação à população (taxa de médicos cursando RM por 100 mil habitantes), as diferenças permanecem significativas. Enquanto no Sudeste há 23,7 médicos residentes por 100 mil habitantes e no Sul há 19, no Norte e Nordeste a razão é de 8,1 e 8,7, respectivamente, bem abaixo da média nacional, que é de 16,9 por 100 mil habitantes.
Na distribuição por unidade da federação, São Paulo concentra 34,5% de todos os médicos residentes, ou seja, mais de um terço do total nacional. Em seguida vem o Rio de Janeiro, com 11,4% dos residentes; Minas Gerais, com 11%; e o Rio Grande do Sul, com 7,1%.
Doze das 27 unidades da federação têm, cada uma, 1% ou menos dos médicos residentes do País. Entre os sete estados do Norte, apenas o Pará fica ligeiramente acima dessa linha, com 1,7% dos médicos residentes de todo o País. Na razão de médicos residentes por 100 mil habitantes, o Distrito Federal lidera com 39,3.
Na sequência está São Paulo, com razão de 26,9; Rio de Janeiro, com 24,1; e Rio Grande do Sul, com 21,9 médicos residentes por 100 mil habitantes. No Nordeste, Pernambuco tem razão de 15,1; e a Paraíba, 11. Acre e Roraima têm 12,1 e 13,2, respectivamente, enquanto a média nacional é de 16,9.
Quatro especialidades dominam ranking
Aproximadamente 40% das vagas de Residência Médica (RM) e, portanto, de médicos residentes, estão concentradas em quatro especialidades: clínica médica, pediatria, cirurgia geral, e ginecologia e obstetrícia. Cabe ressaltar que clínica médica é pré-requisito para RM em outras 12 especialidades, e cirurgia geral, para 10.
Distribuição – A oferta e ocupação de vagas de RM nas especialidades guardam relação com a distribuição de médicos especialistas já titulados e em atividade. “Por exemplo, as cinco especialidades com maior número de residentes são também as cinco com maior número de especialistas titulados”, destacou o professor Mário Scheffer, da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do estudo.
Segundo ele, há mudanças em curso na oferta de RM que podem repercutir no aumento futuro do número de especialistas em algumas especialidades. O professor enumera que medicina de família e comunidade, que reúne apenas 1,4% dos especialistas em atividade, passou a representar 4,4% de todos os médicos residentes. Por sua vez, psiquiatria, que reúne 2,7% dos especialistas, já representa 4,1% das vagas ocupadas de RM.
Para Scheffer, isso é reflexo da destinação de bolsas e de políticas específicas do Ministério da Saúde, como o Programa Nacional de Apoio à Formação de Médicos Especialistas em Áreas Estratégicas (Pró-Residência), que passaram a priorizar a expansão de vagas de RM em determinadas regiões e especialidades consideradas estratégicas para o SUS.
Tendência – A Demografia Médica aponta ainda que outras especialidades, como cardiologia, seguem uma tendência inversa. Os números mostram que os cardiologistas representam 4,1% do total de especialistas no País e 3,1% do total de médicos residentes em 2017. “De qualquer modo, o crescimento da oferta global de vagas em RM no Brasil fica nítido ao se comparar os números de R1 (novas vagas de ingressos em 2017) com as vagas de R2. No segundo ano estão 11.820 médicos residentes e, no primeiro, 16.499, crescimento de 39,6%”, destaca Scheffer.
Algumas especialidades se destacam, como medicina de família e comunidade, que tem 1.043 residentes no primeiro ano e 508 no segundo, e medicina de emergência, que tem 54 residentes no primeiro ano e 14 no segundo. As especialidades com mais residentes (clínica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia, cirurgia geral e anestesiologia) somam 8.281 em R1 e 5.974 em R2, o que representa um crescimento de 2.307 vagas ocupadas entre um ano e outro, ou 38,62%.
Há poucas situações inversas com queda de residentes no primeiro ano em relação ao segundo, como pneumologia, que caiu de 63 para 54; acupuntura, que passou de 13 para quatro, medicina do trabalho, de 22 para 15, e patologia clínica/medicina laboratorial, de oito para quatro.
Dados são fundamentais para definir políticas de formação de profissionais
Embora tenha ocorrido uma expansão significativa dos programas e vagas de Residência Médica no Brasil nos últimos anos, as 16.499 vagas de R1 ocupadas em 2017 representam um número menor que o de médicos formados no ano anterior. Em 2016 foram registrados nos CRMs 18.753 novos médicos. Assim, definir a necessidade exata de médicos especialistas em cada especialidade, de acordo com as necessidades do sistema de saúde e da população, é um desafio das políticas e pesquisas. As vagas preenchidas de R1 são um termômetro da evolução da oferta de Residência Médica e uma ferramenta útil para o planejamento e projeção do número de especialistas com os quais o sistema de saúde poderá futuramente contar.
Nesse sentido, a clínica médica se destaca com 2,6 mil residentes em R1, seguida por dez outras especialidades com 400 residentes ou mais, enquanto na outra ponta oito especialidades têm dez ou menos residentes cada. “Ressalte-se ainda que as vagas de RM são disputadas não só pelos recém-egressos do sexto ano de medicina no ano anterior, mas também por médicos formados há mais tempo, que ainda não cursaram nenhuma RM ou que pretendem obter outro título de especialista. Por isso é fundamental diminuir a defasagem entre vagas autorizadas e vagas ocupadas”, afirma o coordenador da Comissão de Ensino Médico do CFM, Lúcio Flávio Gonzaga.