fonte: Folha de SP
por Claudia Collucci
Samuel, 10 meses, está em tratamento de um câncer no tórax no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo. A família mora em Mogi das Cruzes (SP) e o pai, o pedreiro Rogério Salvador de Campos, sempre traz o garoto à capital de carro.
Mas na última sexta-feira, sem combustível, ambos vieram de trem. “Um empurra-empurra, uma coisa muito estressante para ele”, relatou o pai em entrevista a um canal de TV.
Na mesma sexta, outra emissora de TV mostrava uma grávida de nove meses chorando muito em uma enorme fila de um posto de gasolina no interior paulista. Com um galão na mão, pedia atendimento preferencial. “Tenho medo que meu filho nasça a qualquer momento e eu não tenho gasolina para ir pra maternidade.”
Outros tantos pacientes que dependem de oxigênio ou de hemodiálise estavam desesperados com a possibilidade de interrupção do tratamento por conta do desabastecimento. “Minha mãe é dependente de oxigênio. Está em estado crítico. Tenho medo que falte”, dizia Déia Lúcia, em um hospital de Moema, centro oeste de Minas Gerais.
No Hospital das Clínicas da Unicamp, um transplante de fígado foi cancelado por falta de bolsas de sangue. Os doadores desapareceram por falta de transporte. Na saúde municipal de São Paulo, cirurgias eletivas foram adiadas e exames de rotina suspensos nas unidades básicas de saúde.
São alguns dos reflexos da paralisação na vida de pessoas que dependem dos serviços de saúde. Assim como em todos os setores da economia, a saúde tem enfrentado problemas de todas as ordens, entre eles o cancelamento de cirurgias eletivas em vários estados por falta de insumos hospitalares.
Uma carta assinada por 106 hospitais privados em todo o país informou não ser mais possível garantir o cuidado a pacientes a partir desta segunda-feira (28) se a paralisação continuar. As entidades citam dificuldade de acesso para médicos e funcionários, além de falta de alimentos, ambulâncias paradas, problemas no recolhimento de lixo.
Também nesta segunda, empresas transportadoras de materiais, medicamentos e alimentos ainda tinham dificuldade de encontrar combustível e as produtoras de oxigênio reportavam que, embora estivessem conseguindo fazer as entregas com os caminhões, ainda sofriam com bloqueios ao voltar vazios para suas bases, impedindo a continuidade das entregas.
O setor de medicina de diagnóstico enfrenta problemas para receber cargas de reagentes e contrastes. Além do atraso no processamento de exames, isso coloca em risco a estabilidade das amostras coletadas dos pacientes. Só o setor farmacêutico deixou de faturar na última semana R$ 1 bilhão, segundo estimativa do Sindusfarma (indústria de medicamentos). Os demais setores ainda não divulgaram o montante das perdas.
E as perdas dos pacientes, quem contabiliza? Quem se responsabiliza pelas cirurgias adiadas de pacientes do SUS que esperaram meses e até anos por elas? Quem pagará pelas eventuais mortes ou agravamento da saúde em razão desse caos instalado no país? E pelo estresse de pacientes dependentes de remédios e terapias diante da incerteza de garantia do tratamento?
Como todos sabem, a liberdade de paralisação tem seu limite em outras garantias constitucionais, não podendo afetar a livre decisão de outros cidadãos.
Ao menos 20 decisões judiciais proibiram nos últimos dias que caminhoneiros em greve impedissem a saída, o transporte e a entrega de combustível para serviços essenciais. Mas, em vários locais do país, isso não foi cumprido.
Não dá para entender quem ainda bata palmas para um movimento que despreze o nosso bem maior, a saúde.