fonte: O Globo
A demora para conseguir uma consulta na rede pública do Sistema Único de Saúde (SUS) e a escalada das mensalidades dos planos particulares — com a introdução de mecanismos de coparticipação, em que os segurados pagam parte dos custos de consultas e exames — abriram espaço nos últimos anos para um novo modelo de negócios: o das clínicas privadas que reúnem especialidades médicas e exames a preços acessíveis. Elas começaram sob o rótulo de “populares”, mas atraem cada vez mais pacientes de classe média e alta, incluindo gente que tem plano de saúde.
O modelo é focado em exames e consultas, mas não contempla tratamentos de maior complexidade. Segundo especialistas, esse modelo pode complementar a cobertura oferecida pelos planos de saúde.
A rede Dr. Consulta percebeu a mudança no perfil do público que busca esse modelo de clínica. Já conta com 50 unidades em São Paulo, e a primeira no Rio abre no próximo dia 28. Não à toa, a rede escolheu a Barra da Tijuca, na Zona Oeste, para abrigar a primeira clínica carioca. A segunda unidade será em Copacabana, na Zona Sul, e abrirá as portas em 25 de outubro.
A empresa já contabiliza 57% dos seus pacientes oriundos das classes A e B. Quase 20% do total de atendidos têm plano de saúde.
— No começo da nossa trajetória, quem vinha à clínica era das classes C e D. Agora, temos A e B — diz Renato Velloso, vice-presidente de Desenvolvimento e Novos Mercados da Dr. Consulta, responsável pela expansão da rede no Rio, que terá nove centros até dezembro, acrescentando que fatores como qualidade do serviço e agilidade no atendimento contribuíram para atrair um público de maior poder aquisitivo.
Um paciente espera, em média, 56 dias por uma consulta e 78 dias para marcar um exame no SUS, segundo pesquisa feita pelo Ibope. Mas quem paga do próprio bolso mensalidades de plano de saúde ou recebe o benefício da empresa em que trabalha também se queixa da dificuldade de agendar consultas e exames. A média de espera nos convênios privados é de 13 dias para ver um médico e 19 dias para fazer exames.
ATENDIMENTO IMEDIATO
Além da Dr. Consulta, pelo menos três redes similares disputam esse mercado em expansão no país: Docctor Med, Policlínica Granato e a Rede Integra. Nessas clínicas, o atendimento é imediato ou acontece, no máximo, no dia seguinte à marcação. Mas elas não aceitam convênio. O pagamento pode ser feito em dinheiro, débito ou em até dez parcelas no cartão de crédito. O mesmo vale para o agendamento de exame — que pode ser feito inclusive com pedido de um médico que não é da rede. Um hemograma completo sai por R$ 16. Uma tomografia de tórax custa R$ 448.
— Na minha visão, essa modalidade é complementar — avalia Paulo Furquim de Azevedo, do Centro de Estudos em Negócios do Insper.
A primeira unidade do Dr. Consulta, inaugurada em 2011 na favela de Heliópolis, tinha como objetivo oferecer a um público de baixa renda um serviço com médicos que também trabalhassem em hospitais de renome, como Sírio Libanês e Albert Einstein. Naquele ano, uma consulta custava, em média, R$ 80. Hoje, variam de R$ 110 a R$ 160, e a rede começou a crescer no público de renda média.
A unidade de Heliópolis fechou em 2013. Perguntado sobre o motivo, Velloso disse que aquele centro era “apenas um teste”. A rede se expandiu por outros bairros da capital paulista, incluindo os Jardins e a região da Avenida Paulista.
A pedagoga Elaine Casemiro, de 46 anos, recorreu à clínica em 2016 depois de ver um anúncio no metrô. O filho, Gabriel, então com 11 anos, teve uma dor abdominal aguda. Foi atendida em 15 minutos e pagou R$ 120 pela consulta. Sem plano de saúde, Elaine passou a utilizar esse tipo de clínica. No dia em que o filho passou mal, ela sabia que não haveria tempo para enfrentar uma emergência de hospital público.
— Saí de lá com a receita na mão. Mesmo tendo que pagar, vale a pena pela eficiência. Minha crítica é que não tem estacionamento — diz Elaine.
O anúncio no metrô e a falta de vagas para automóveis estão ligados a uma das estratégias do Dr. Consulta: abrir clínicas em lugares de fácil acesso com transporte público.
‘COWORKING’ DA SAÚDE
Diferentemente da rede própria da Dr. Consulta, que começa a sair de São Paulo só agora, a rede Docctor Med cresce em todo o país por meio de franquias. Criada em 2014 pelo empresário Geílson Silveira, a rede fatura R$ 40 milhões por ano, tem 50 unidades em 14 estados e 40 mil pacientes por mês. As consultas vão de R$ 80 a R$ 120, dependendo da especialidade.
— Grande parte dos clientes é das classes C e D e não tem plano de saúde. Mas há um movimento de pessoas de classes sociais mais altas, com plano de saúde, procurando nosso serviço — contou Silveira.
Já a Rede Integra tem um arranjo mais inovador, que poderia ser chamado de coworking da saúde. É formada por médicos que decidiram unir seus consultórios para formar uma espécie de clínica descentralizada. O que os une é o agendamento em uma mesma central telefônica. As consultas variam de R$ 90 a R$ 120. A Integra começou a ser formada no ano passado e atualmente tem 32 unidades clínicas associadas na capital e Região Metropolitana de São Paulo que já fazem esse tipo de atendimento com 300 médicos.
— É um modelo que busca pacientes que não têm plano de saúde, mas também não passam pelo SUS — explica Vivian de Souza Nascimento, administradora da Integra.
No caso da Integra, o preço mais baixo é possível porque eles aproveitam o tempo ocioso dos consultórios. Os médicos atendem convênios e pacientes particulares, mas, nos horários livres, oferecem a consulta por um preço menor. O atendimento precisa ser marcado pela central telefônica comum às clínicas.
Para Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), esses serviços podem ser úteis em situações pontuais, mas não atendem integralmente o indivíduo:
— São serviços mais baratos, mas também menos complexos. Assim, para procedimentos de alta complexidade ou quando o tratamento é de custo elevado, a necessidade de utilizar o SUS permanece.
Na visão de Furquim, professor do Insper, as respostas “rápidas e cuidadosas” dessas alternativas são o motor do crescimento do segmento:
— São alternativas ao mercado porque aceleram o diagnóstico. À medida que existirem melhoras no SUS e na saúde suplementar, o espaço dessas modalidades tende a diminuir. Mas, até lá, existe um espaço enorme para elas.