fonte: O Globo

Com suspeita de estar sofrendo um aborto, sangrando e pálida de dor, Karen Amorim deixou o Hospital Leal Junior, em Itaboraí, em busca de uma ultrassonografia, que não conseguiu fazer na unidade da prefeitura. No recém-reformado Hospital Municipal de Belford Roxo, Ana Carolina Fernandes entrou em pânico quando ouviu que a espera de seu marido por uma cirurgia no ^fêmur quebrado pode durar um mês. Em Nilópolis, nem os vizinhos recorrem mais ao Hospital Municipal Juscelino Kubitscheck nos casos de urgência. Eles sabem que ali só funciona, no primeiro andar, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Os outros quatro pavimentos estão vazios, após o prédio ter sido reconstruído e reinaugurado, em 2016.

Rio afora, pessoas sofrem devido ao caos na saúde. Redes municipais rumam ao colapso. Isso se deve, em parte, à falta de repasses do governo fluminense, alerta o Ministério Público estadual. Promotores calculam que, no ano passado, o estado deixou de pagar às prefeituras R$ 1,68 bilhão para o setor, de um orçamento previsto de R$ 2,68 bilhões. Um relatório apresentado anteontem à Justiça aponta que a crisenos hospitais municip ai sé umadas consequências de um persistente subfinanciamento da saúde no Rio— em vez dos 12% da receita definidos por lei, no primeiro semestre deste ano o estado só aplicou 4,2%, menos até que os 5,1% de 2017. Entre as pendências, não foram destinados R$ 47,7 milhões para UPAs de 18 cidades. E, dentro do Programa de Incentivo Financeiro aos Municípios para a Saúde (Promuni), ficaram zerados repasses como os para a atenção especializada( R $599 milhões ), compra de medicamentos(R $83 milhões) e vigilância epidemiológica( R $40 milhões).

— Há anos tomo cinco remédios para pressão alta e dor no peito. Mas ainda não sei qualé o meu problema porque preciso de um ecocardiograma, que não é feito aqui — lamenta Zelma Gonçalves na Policlínica de Engenheiro Pedreira, em Japeri.

O relatório do Ministério Público, elaborado pela 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital, sustenta que afila de espera para exames e consulta sé longa equ eleitos de urgência estão lotados. Nesse cenário, um levantamento do GLOBO, baseado em dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS disponíveis no Datasus, mostra que o número de óbitos na rede estadual cresceu 32,9% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2017 — de 3.487 para 4.635. E, no conjunto das unidades geridas pelas prefeituras, as mortes aumentaram 4,33% (de 15.092 para 15.746).

MAIS DOENÇAS

Enfermidades que poderiam ser combatidas com prevenção se espalharam pelo estado. Um boletim da Secretaria de Saúde revela que, de janeiro a junho deste ano, houve alta de 41,2% dos casos prováveis de dengue em relação ao mesmo período de 2017: de 8.102 para 11.443. Só em Itaboraí, município com maior taxa de incidência da doença, foram 3.027, sete vezes mais que no ano passado. Já a chicungunha, com 22.252 casos prováveis no primeiro semestre, virou surto em Campos. Prefeituras alegam que, sem os repasses do estado, precisam usar recursos que seriam destinados a outras áreas. Nova Friburgo calcula que os atrasos do governo estadual somam R $18,16 milhões, a maioria referentesà UP Ada cidade, com transferências suspensas desde 2015. Nova Iguaçu alerta que, desde 2017, o estado deixou de repassa rR $21 milhões para a Maternidade Mariana Bulhões. Em Araruama, no distrito de São Vicente de Paula, onde fica o hospital geral da cidade, a cada 15 dias moradores dormem em filas para marcar consultas, às vezes em vão, porque há poucas vagas. Além disso, hoje não existem mais maternidades públicas na cidade. Muitas crianças nascem em Saquarema. Isso quando há tempo hábil.

— Minha filha nasceu em casa. Abolsa estourou, e a ambulância não chegava. O hospital daqui não tem condições, só faz o básico — diz Zuleide Ferreira, de 44 anos. Em nota, a Secretaria estadual de Saúde afirma que vem repassando para municípios todos os recursos que a pasta da Fazenda coloca no Fundo Estadual de Saúde. Além disso, o órgão destaca que vem apoiando especialmente “municípios estratégicos, cujas unidades de saúde assumem um perfil regional”. A Secretaria estadual de Saúde frisa ainda que houve redução nos índices de mortalidade nas UTIsd are de fluminense: em 2015, a taxa era de 27,9%, e, no ano passado, caiu para 22,5%, apesar de o número de internações nos setores de terapia intensiva ter subido 50% no mesmo período, passando de 10.285 para 15.617.