fonte: O Globo
Um fungo chamado Candida auris ,que ataca pessoas internadas e com sistema imunológico enfraquecido, vem se espalhando silenciosamente pelo mundo e pode chegar ao Brasil. Nos últimos cinco anos, ele atingiu uma unidade neonatal na Venezuela, varreu um hospital na Espanha, forçou um conceituado centro médico britânico a fechar sua unidade de tratamento intensivo e fincou raízes na Índia, no Paquistão e na África do Sul. Agora, corre o risco de chegar aos hospitais brasileiros, segundo alertam especialistas e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). E não há tratamento efetivo conhecido.
O nome parecido ao popular Candida albicans, que causa a candidíase, não deve causar confusão. A similaridade se deve ao fato de ambos serem do gênero Candida, mas tratase de espécies diferentes. O Candida auris causa infecção hospitalar. Em pessoas saudáveis, o fungo passa despercebido pelo corpo humano. Em pacientes de unidades hospitalares intensivas, no entanto, pode ser fatal.
— É um microorganismo de baixa virulência, que causa sintomas apenas em pessoas hospitalizadas. A maioria dos pacientes faz quadro de sepse (infecção), com febre, hipotensão (pressão baixa), refratária (resistente) a antibiótico — explica Arnaldo Lopes Colombo, professor de infectologia e diretor técnico do Laboratório Especial de Micologia da Escola Paulista de Medicina, da Unifesp. — Existe o risco de chegar ao Brasil, e não acho que seja pequeno.
‘AMEAÇA URGENTE’
Colombo foi um dos técnicos que participaram da elaboração da nota técnica da Anvisa alertando para a possibilidade de chegada do fungo ao Brasil, ou até de seu desenvolvimento evolutivo dentro dos hospitais brasileiros. Em 2017, a agência emitiu um “comunicado de risco” que alertava sobre relatos de surtos de Candida auris em serviços de saúde da América Latina.
Recentemente, o C. auris chegou a Nova York, Nova Jersey e Illinois, fazendo com que os Centros Federais de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) o incluíssem na lista de germes considerados “ameaças urgentes”. Análises internacionais mostram que as amostras colhidas em hospitais de diversos continentes possuem material genético ligeiramente diferente. Ou seja, o fungo não está migrando pelo mundo, mas sim se desenvolvendo a partir de espécies mais antigas.
—O fato é que ele emerge, ao longo de um processo evolutivo, num momento da medicina contemporânea em que se usa muito antifúngico em ambiente hospitalar. Acredita-se que esse fator tenha um papel, e isso explica por que o fungo se torna resistente a pelo menos duas classes terapêuticas — conta Colombo. —Aconteceu esse surto na Venezuela, e a Anvisa entrou em contato. Fizemos então essa norma técnica, que tem como objetivo alertar os hospitais brasileiros de que existe a plausibilidade de esse Candida entrar em nossos hospitais. Boa parte dos hospitais públicos e privados brasileiros sabem detectar as bactérias pelo nome e sobrenome, mas fungos são negligenciados. E cada vez mais você tem fungos candida de diferentes espécies causando infecção hospitalar no Brasil. Estima-se que de 5% a 10% das infecções de corrente sanguínea sejam por fungos do gênero Candida. E esses são os casos mais graves.
O documento da Anvisa afirma que o fungo “ainda não foi notificado” no Brasil, mas que isso “não significa que não tenha ocorrido, pois, como a detecção desse fungo requer métodos especializados”, “é possível que a ocorrência dessa infecção não tenha sido identificada”.
A farmacêutica Luana Rossato é uma das especialistas que se dedicam a entender os mecanismos usados por esse fungo que a ciência descobriu há dez anos. Ela faz pós-doutorado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), na Unifesp, que tem como objetivo entender como o corpo humano responde à presença do fungo.
—Ele mata menos que a Candida albicans, mas a sua grande característica é apresentar resistência fúngica e ter difícil diagnóstico, principalmente por laboratórios que não estão acostumados com ele. Ainda estamos investigando como se comporta.