fonte: Agência Brasil
A rotatividade de profissionais de saúde que atuam na vacinação foi um dos problemas apontados durante a Jornada Nacional de Imunizações, que discutiu como combater a queda nas coberturas vacinais. O evento ocorreu na última semana, em Fortaleza, no Ceará.
A troca de equipes temporárias se soma à circulação de notícias falsas, à baixa percepção de que doenças erradicadas são um risco, ao horário limitado de funcionamento dos postos de vacinação e até mesmo à violência que dificulta a visita de agentes de saúde e o deslocamento de pessoas até os postos.
A infectologista Tânia Petraglia, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro, chamou a atenção para o conhecimento que se perde quando postos de vacinação deixam de ter profissionais de carreira e passam a ter constantes trocas de equipes temporárias.
“O conhecimento sobre vacina está cada vez mais amplo, e a complexidade também. Você não consegue formar as pessoas adequadamente. A reserva de conhecimento é perdida [com a rotatividade]. Ao final, você tem pessoas minimamente formadas para dar conta de situações pontuais, mas não tem aquele profissional de referência com um acúmulo de conhecimento, que é uma pessoa mais indicada para intervir em situações de postergar vacinação e de contestar falsas contraindicações. Isso requer um conhecimento mais profundo”, disse.
A pesquisadora avalia que a rotatividade não significa que a solução seja banir as terceirizações, mas que é preciso mesclar profissionais estatutários e terceirizados, e não trocar equipes inteiras de uma só vez.
“Você pode trabalhar com a terceirização, mas tem que rever o modelo de gestão. Vai ter que ter uma gestão mais responsável e mais técnica”, defendeu. “Um profissional que começa a ser treinado leva tempo para ficar atualizado e apto a responder qualquer dúvida”.
Boatos
A convicção dos profissionais de saúde e a segurança na hora de responder questionamentos é um dos principais instrumentos no combate a boatos e notícias falsas. A vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Isabela Ballalai, exemplifica que é comum que profissionais se sintam inseguros em relação à vacinação simultânea, quando diferentes vacinas são aplicadas no mesmo dia.
“Sou partidária de que com capacitação a gente acaba com as fake news”, disse a vice-presidente da SBIm, destacando que é preciso capacitar os profissionais que atuam na ponta, para que eles compreendam as notas técnicas e tenham segurança na hora de tomar decisões e esclarecer dúvidas. Ela argumenta que profissionais de saúde não pode agir como parte da população, que busca vacinas somente quando vê o risco evidenciado por um surto.
“De quem é a culpa por essas baixas taxas de vacinação, da população ou nossa? É nossa. Também estamos localmente agindo quando a coisa já perdeu o rumo”, afirmou.
Rede de atenção
Diretora da SBIm em Minas Gerais e assessora da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte, Jandira Campos Lemos defende que se reforce o uso da rede de atenção básica para localizar quem não está seguindo o calendário de vacinação e “bater de porta em porta”, se for preciso.
“É necessário que os agentes comunitários de saúde identifiquem os que estão em atraso, sem esperar que essa criança ou que esse adulto venha para se vacinar”, disse, acrescentando que essa é uma escolha de prioridade na gestão da saúde, já que envolve custos em um cenário em que muitos municípios enfrentam dificuldades financeiras. “Precisa de veículo, precisa de combustível, precisa do profissional. É um investimento grande. Os gestores têm que entender a importância de priorizar essa ação. É preciso sair da sala de vacinação”.
Ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde até o último mês de agosto, Carla Domingues destaca que é preciso rever a forma de chegar até as pessoas e levar em consideração mudanças na sociedade, como a indisponibilidade de tempo para comparecer aos postos de vacinação em horários limitados durante a semana.
“Hoje, a mulher está no mercado de trabalho, e 56% são arrimo de família. Muitas estão na informalidade e não comparecer ao trabalho significa que vão deixar de ter uma renda para o alimento dos seus filhos”, alerta. “É preciso que a gente crie mecanismos para que saíamos da nossa zona de conforto”.