fonte: Folha de SP
No momento em que o país convive com chegada do novo coronavírus, explosão de casos de dengue, avanço do sarampo e tantas outras doenças que já fazem parte do dia a dia do brasileiro, vem a notícia de que a área da saúde perdeu R$ 20 bilhões em 2019.
Os dados constam de uma publicação do CNS (Conselho Nacional e Saúde) a partir da análise do economista Francisco Funcia, assessor técnico do conselho, e levam em conta o cenário desde que a emenda constitucional 95 foi aprovada, em dezembro de 2016.
A queda de recursos está relacionada à desvinculação do gasto mínimo de 15% da receita da União com a Saúde. Em 2017, quando a emenda passou a valer, os investimentos em serviços públicos de saúde representavam 15,77% da arrecadação da União. Já em 2019, os recursos para a área representaram 13,54%.
Segundo a metodologia de cálculo usada por Funcia, se em 2019 o governo tivesse aplicado o mesmo patamar que aplicou em 2017 (15% da receita corrente líquida de cada ano), a saúde teria um orçamento de cerca de R$ 142,8 bilhões, e não os R$ 122,6 bilhões aplicados. Ou seja, houve uma diminuição de R$ 20,19 bilhões.
É possível que haja contestação sobre a metodologia usada e o total de perdas, mas outras fontes também apontam para um desfinanciamento da saúde desde que a EC 95 entrou em vigor.
Dados do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, da Secretaria do Tesouro Nacional, divulgados pelo O Globo, revelam que o novo regime fiscal estabelecido pela regra do teto de gastos trouxe perdas de R$ 9,05 bilhões para a saúde.
A regra do teto de gastos, que começou a vigorar em 2017, mudou a forma de correção do piso (valor mínimo a ser aplicado) em saúde. Até então, o valor mínimo de gastos na área estava vinculado à receita corrente líquida. Com a mudança, passou a ser corrigido pela inflação do ano anterior (acumulada em 12 meses até junho).
Pela norma anterior, deveriam ter sido aplicados na saúde 14,5% da receita corrente líquida de 2019 –o equivalente a R$ 131,32 bilhões, e não os R$ 122,269 bilhões que efetivamente foram. Ou seja, teria havido uma redução de cerca de R$ 9,05 bilhões.
As perdas causaram impactos em programas como o Farmácia Popular (de R$ 2,37 bilhões em 2019, contra R$ 2,54 bilhões no ano anterior). As despesas para fomento e pesquisa em ciência e tecnologia na área de saúde recuaram 27,4%, para R$ 139 milhões em 2019.
Os valores empenhados (autorizados) para vacinas e vacinação ficaram 12% menores, caindo de R$ 4,83 bilhões, em 2018, para R$ 4,25 bilhões no último ano. Nesse caso, somente 57% do limite autorizado para todo ano passado foi de fato gasto pelo Ministério da Saúde.
O economista e vice-presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres), Carlos Ocké, endossa a análise de que o investimento público em saúde está diminuindo e alerta para a redução progressiva da chamada “renda per capita da saúde”.
O valor investido por pessoa, que chegou a R$ 595 em 2014, passou a ser de R$ 555, em 2020, segundo ele.
Isso ocorre no momento em que também há uma curva crescente dos custos de saúde associados ao envelhecimento populacional e uma necessidade de mais recursos.
A própria Secretaria do Tesouro Nacional projetou que o envelhecimento populacional exigirá investimentos adicionais de R$ 50,7 bilhões entre 2020 e 2027. De onde eles virão esses recursos ninguém sabe.
Em tempos de tantos ataques ao SUS e de um movimento em torno crescimento do mercado de planos privados de saúde, com produtos mais baratos e com menos coberturas, é bem oportuna a reportagem do meu colega Diogo Bercito sobre o perverso sistema de saúde americano, cujas contas impagáveis leva famílias à falência.
Durante epidemias, a diferença entre países com sistemas universais de saúde e os EUA fica ainda mais gritante, conforme reportagem do The New York Times, que mostra uma família com suspeita de coronavírus que recebeu uma conta de quase US$ 4.000 após procurar um serviço de saúde.
Sem o SUS, ou com um sistema de saúde cada vez mais pobre e enfraquecido, é a barbárie, como já disse Drauzio Varella.