fonte: O Globo
Para reforçar o combate à epidemia de coronavírus que avança sobre o país, empresários, empreendedores sociais e representantes do setor público se uniram para ampliar o número de leitos de UTI na rede pública do Estado do Rio. Em menos de uma semana, por meio de uma campanha que começou no WhatsApp, o movimento União Rio arrecadou cerca de R$ 10 milhões de mais de 700 doadores para ativar 60 leitos, totalmente equipados, no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ (a unidade, hoje, conta com apenas 16 leitos). Agora, o projeto passa a uma nova fase. Os organizadores lançaram uma página no site “Benfeitoria” com o objetivo de alcançar, a princípio, R$ 20 milhões em doações. Mas a ideia é seguir reunindo recursos para ativar, em todo o estado, 670 leitos, que ficarão de legado após a crise.
Três andares do hospital universitário estão sendo reformados para receber os leitos, cujos equipamentos, recém-comprados, já começaram a chegar na unidade, na Ilha do Fundão. A previsão é ativar 30 leitos no dia 13 de abril e mais 30 no dia 27 de abril. Uma equipe adicional de profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, será contratada por dois meses, com o objetivo de melhorar o atendimento durante a crise do coronavírus.
O dinheiro das doações vai financiar três frentes abertas pela campanha. Além da ativação dos leitos de UTI, no valor estimado de R$ 110 mil cada, serão adquiridos equipamentos de proteção individual (EPIs) para os profissionais de saúde que atuam no combate à Covid-19 e cestas básicas e produtos de higiene para serem distribuídos entre moradores de favelas do Rio. Segundo os organizadores, o foco das três frentes é o mesmo: salvar vidas.
– Nenhum governo pode dar conta dessa crise sozinho, nem a sociedade civil. É uma ameaça gigante. Nossa única chance é dar as mãos para enfrentar isso juntos e evitar o caos na sociedade – conta Walter de Sá Cavalcante, sócio do fundo Manifesta Capital, um dos criadores do movimento. – Nossa equipe está em contato constante com as secretarias de Saúde do estado e do município. Assim que identificamos que uma dos maiores necessidades são leitos de UTI para cuidar dos pacientes graves infectados pelo coronavírus, começamos a campanha.
O primeiro passo foi a criação, no último dia 13 de março, de um grupo de WhatsApp reunindo cenenas de pessoas dispostas a participar do esforço contra o coronavírus no Rio. Então, empresários, ativistas, empreendedores sociais, políticos e profissionais de várias outras áreas começaram uma troca incessante de mensagens oferecendo seus serviços ou conhecimento e procurando pessoas que poderiam ajudar a viabilizar suas ideias. A partir dessas trocas, surgiram outros grupos, como um espaço que reúne donos de clínicas e hospitais e outro que integra líderes de comunidades do Rio. Foi nesse contexto que começou o movimento Rio Contra Corona, que está distribuindo alimentos e itens de higiene em diferentes favelas cariocas.
– A distribuição de alimentos e produtos de higiente nas favelas são uma forma de prevenção, para evitar a contaminação dessa população. As comunidades são áreas de risco grande por causa da aglomeração de pessoas e da falta de saneamento. Além disso, por causa da quarentena, as pessoas não estão trabalhando e não podem comprar comida ou produtos de limpeza para proteção pessoal – explica Andrea Gomides, fundadora do Instituto Ekloos, que atua na capacitação de empreendedores de comunidades cariocas. – Em três dias, conseguimos 16 mil litros de material de higiene e 33 toneladas de alimentos, beneficando 6300 famílias de dez comunidades, como Cidade de Deus, Rocinha e Complexo da Maré.
A arrecadação de recursos caminhou velozmente. O anúncio informando sobre a campanha, com uma conta bancária para receber depósitos, começou a circular pelo Whatsapp no último domingo e, em menos de 24 horas, já tinha recebido cerca de R$ 5 milhões. De acordo com os organizadores, 70% das doações são iguais ou superiores a R$ 45 mil, e uma contribuição superou a marca de R$ 1 milhão. Mas há também muitas doações pequenas, de R$ 15, o que deve aumentar a partir de agora, com o lançamento da página no site “Benfeitoria”. Para gerir todo o dinheiro arrecadado, com o compromisso de conferir transparência a todo o processo, entrou em cena o Instituto da Criança, que tem 20 anos de experiência no desenvolvimento de projetos sociais para empresas das mais diferentes áreas.
– O projeto garante contratação de pessoal para o funcionamento dos leitos durante dois meses. Se a crise se estender além disso, teremos que arrecadar mais verba. Também estamos investindo muito na compra de equipamentos de proteção para os profissionais de saúde, que são os grandes heróis dessa crise – explica o cofundador do Instituto da Criança, Pedro Werneck, que exalta a generosidade das contribuições à campanha. – As pessoas com saúde e condições financeiras estão demonstrando consciência social para ajudar quem precisa. E, quando passar a epidemia, todos os equipamentos ficarão de legado para a população.
Todo o trabalho no hospital da UFRJ foi regularizado por meio de uma parceria assinada com a instituição de ensino. As obras já estão em andamento, com 30 funcionários trabalhando para deixar tudo pronto ao longo do mês de abril. A reforma e a aquisição de equipamentos conta com apoio e supervisão de técnicos da rede de hospitais D’Or e da empresa de medicina de diagnósticos Dasa, cujos sócios também integram o movimento. O maior desafio vai ser a obtenção de respiradores para as centenas de leitos que serão ativados pela iniciativa. A compra destes aparelhos está sendo disputada no mundo todo, já que os pacientes graves do coronavírus precisam deles para sobreviver. Mas os envolvidos na campanha garantem já dispor de respiradores para começar os trabalhos na UFRJ, que já recebeu 27 monitores para leitura de sinais vitais, que serão acoplados àqueles equipamentos. Apenas essa aquisição custou R$ 530 mil, pagos com dinheiro da campanha.
O Hospital Universitário tem cerca de 3200 funcionários, mas uma parte deles está em casa porque são idosos ou têm alguma doença que os enquadra no grupo de risco para a Covid-19. Além disso, a unidade hoje conta apenas com 16 leitos de UTI, o que vinha causando um acúmulo de pacientes à espera de cirurgias, uma vez que esssas pessoas precisam de leitos de UTI durante o pós-operatório.
– Somos um hospital de referência para atendimento de média e alta complexidade. Então, pela capacitação do nosso corpo clínicos, esperamos receber muitos pacientes graves durante essa crise – afirma o diretor-geral do Hospital Universitário, Marcos Freire. – Por enquanto, a maioria dos pacientes está na rede privada, mas estamos esperando um pico de contaminação em abril. Certamente, os leitos doados serão de grande ajuda. Vão aumentar muio a nossa capacidade.