fonte: CREMERJ

O CREMERJ vem a público apresentar seu repúdio à remuneração de telemedicina proposta por algumas operadoras / planos de saúde.

Como fundamentação, segue abaixo parte do texto de nossa assessoria jurídica sobre o tema:

Neste contexto de pandemia caracterizado pela recomendação de isolamento social, afigurou-se urgente a edição de uma Lei para versar sobre a realização de Telemedicina. A Lei Federal nº 3.9898 de 15/04/2020, anuncia que “dispõe sobre o uso da telemedicina especialmente durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).”

Contudo, a referida Lei limita-se a autorizar, em caráter emergencial, a prática da Telemedicina durante a crise ocasionada pelo Covid-19, definindo-a como o exercício da medicina mediada por tecnologias. Trata-se de prescrições genéricas que carecem de regulamentação que permitam a prática com segurança ao médico e à sociedade.

Seu artigo 5º especialmente, deixa clara a necessidade de regulamentação quanto às especificidades da prática do ato e da ética médica. Transcreve-se:

“Art. 5º A prestação de serviço de telemedicina seguirá os padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, (…)”

Neste particular, cumpre ao respectivo Conselho de Fiscalização Profissional – CRMs – regulamentar a matéria de acordo com o que preconiza o Código de Ética Médica.

O Poder regulamentar é a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis em sentido estrito, ou seja, aquelas emandas do Poder Legislativo – possibilitando sua efetiva aplicação. Seu alcance é de norma complementar à lei,  não podendo criar direitos ou obrigações mas tão somente, regulamentar a Lei, sob pena de invadir competência do Poder Legislativo, característica do sistema tripartite de poderes.

Justamente sob esta ótica encontra-se a Resolução CREMERJ nº 305/2020. Embora editada e vigente pouco antes da Lei Federal nº 3.9898, é plenamente compatível e foi amparada pela legislação. A normativa infralegal é, portanto, decorrente do Poder Regulamentar conferido aos CRMs para viabilizar o cumprimento das Leis.

Com a necessidade imediata de manutenção dos serviços de saúde em meio à pandemia, tornou-se inevitável a prática da medicina por meio digitais, nos termos definidos pelas normas vigentes já expostas.

No entanto, em tempos de mudança e instabilidade nos mais diversos setores, surge-se o questionamento sobre a forma de remuneração do médico que atenda por meio da telemedicina, indagação esta motivada principalmente pela notícia de recusa de pagamento de honorários médicos pelas operadoras de plano de saúde.

A Lei nº 13.989/2020 se preocupou em abordar sobre a remuneração do médico, deixando claro que não compete ao Poder Público o pagamento pelos serviços prestados por telemedicina, vejamos:

Art. 5º A prestação de serviço de telemedicina seguirá os padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação à contraprestação financeira pelo serviço prestado, não cabendo ao poder público custear ou pagar por tais atividades quando não for exclusivamente serviço prestado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Pela leitura do dispositivo legal fica explícito que a remuneração do médico que presta serviço por meio da telemedicina deve permanecer seguindo os mesmos critérios de um atendimento presencial. Vale dizer que a medicina também compreende uma atividade de cunho privado e exige contraprestação ao profissional que presta seus serviços em caráter particular.

A Resolução CREMERJ nº 305/2020, por sua vez, também corrobora com o destacado na legislação e deixa a critério do médico a cobrança de honorários no uso da telemedicina de acordo com o que fora ajustado com o paciente previamente, vejamos:

Art. 8º Fica a critério médico a cobrança de seus honorários conforme valores definidos previamente à consulta, sendo possível a utilização de termo de consentimento.

Neste contexto, merece destaque o Código de Ética Médica, norma balizadora da conduta ética da profissão, que ao discorrer sobre princípios fundamentais do exercício da medicina afirma que:

III – Para exercer a medicina com honra e dignidade, o médico necessita ter boas condições de trabalho e ser remunerado de forma justa.

Em seguida, em seu Capítulo II, o Código de Ética Médica afirma em seu inciso X que é direito do médico estabelecer seus honorários de forma justa e digna.

Percebe-se que a regulamentação da telemedicina em nada alterou a forma de pagamento dos serviços médicos, que devem continuar com habitualidade e na mesma medida de uma consulta presencial. A disposição é tão inequívoca que fora repetida por todas as normativas que tratam da telemedicina e pelo Código de Ética Médica.

A negativa ou forma discriminatória com redução de pagamento de honorários médicos que atendem por meio de telemedicina deve ser prontamente revista, principalmente quando emanadas por operadoras de plano de saúde.

Vale dizer que o descumprimento da norma vigente no que tange à remuneração profissional pode corresponder a prática de cartel, por pressupor acordo implícito entre as operadoras de plano de saúde para não remunerarem os médicos em uso da telemedicina.

A Lei nº 8.137/90 dispõe que constitui crime contra a ordem econômica punível com reclusão de 2 a 5 anos e multa o abuso do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas e inclui também como crime a formação de acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas.

Além da conduta supostamente corresponder a prática de crime, também dá indícios de infração administrativa, nos moldes descritos no art. 36 da Lei nº 12.5529/11, que elenca extensa lista de infrações à ordem econômica, puníveis com multa e sanções condizentes com a ação danosa.

Por fim, destaca-se que a recusa do pagamento de honorários médicos decorrentes do serviço prestado por meio de telemedicina pode também indicar infração ética pelo responsável técnico da unidade inscrito nos Conselhos Regionais de Medicina, nos termos dos arts. 18, 19, 20 e 21 do Código de Ética Médica, que diz ser vedado ao médico:

Art. 18. Desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los.

Art. 19. Deixar de assegurar, quando investido em cargo ou função de direção, os direitos dos médicos e as demais condições adequadas para o desempenho ético-profissional da medicina.

Art. 20. Permitir que interesses pecuniários, políticos, religiosos ou de quaisquer outras ordens, do seu empregador ou superior hierárquico ou do financiador público ou privado da assistência à saúde, interfiram na escolha dos melhores meios de prevenção, diagnóstico ou tratamento disponíveis e cientificamente reconhecidos no interesse da saúde do paciente ou da sociedade.

Art. 21. Deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir a legislação pertinente.

Sendo assim, não há embasamento jurídico para a recusa de remuneração por serviços médicos prestados mediante o uso da telemedico.

Concluímos que a telemedicina se faz necessária em época de pandemia declarada e foi devidamente autorizada por meio da Lei nº 13.989/2020, que garante o pagamento de remuneração ao médico de presta seus serviços de forma virtual, tal como seria feito em um atendimento presencial. A Resolução CREMERJ nº 305/2020 também disciplina a questão e ratifica a cobrança de honorários pelo serviço prestado, desde que previamente informado ao paciente.

Portanto a negativa ou forma discriminatória com redução de pagamento de honorários médicos pelas operadoras de plano de saúde, além de constituir descumprimento legal, também pode corresponder a crime e infração administrativa, além de ir de encontro com os preceitos contidos no Código de Ética Médica, devendo ser revista de imediato.

Rio de Janeiro, 04 de maio de 2020

SYLVIO SERGIO NEVES PROVENZANO

Presidente