fonte: O Globo

Três meses após a OMS reconhecer a Covid-19 como uma pandemia, o planeta soma mais de 7,3 milhões de casos registrados a 413 mil mortes. Ao coordenar os esforços de combate à doença, a entidade atraiu críticas de governos que foram contrariados. Sanitaristas afirmam que, a despeito de falhas eventuais, a essa altura o valor da organização está mais do que provado.

— Quem seguiu as orientações da OMS, se deu bem — diz Deisy Ventura, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Ela destaca as recomendações do braço de saúde da ONU para distanciamento social e testagem em massa, princípios que o Brasil não conseguiu adotar com intensidade, a exemplo do governo dos EUA, que anunciou rompimento com a OMS.

Para especialistas em saúde, mesmo com histórico de contrariar recomendações da organização, EUA e Brasil se beneficiaram muito da construção de consenso promovida pela organização.

— Coordenar o combate à pandemia sem a OMS teria sido uma catástrofe muito maior. Existem dezenas de países que dependem exclusivamente da OMS para ter uma resposta à Covid-19, porque não têm sistema de saúde estruturado, recursos humanos e dinheiro — explica a professora.

Por ter contrariado a vontade de governos que buscaram adiar o início da quarentena e antecipar seu encerramento, a organização atraiu acusações de que estaria atuando politicamente, visando prejudicar figuras específicas.

Para especialistas em saúde global ouvidos pelo GLOBO, porém, a noção de ação ideológica é equivocada.

— A OMS não esta politizada. Pelo contrário, está pálida e precisa ganhar vigor — afirma a sanitarista Ligia Bahia.

Para a médica e professora da UFRJ, o problema da organização não é o excesso de influência sobre os países signatários da convenção que a rege. É a falta de influência.

— A OMS precisa adquirir mais força nas suas recomendações, na sua capacidade de normatização e de auxílio mais concreto aos países membros— diz Ligia.

Sanitaristas afirmam que uma boa parte das críticas que têm sido dirigidas à organização são fruto de desconhecimento da maneira com que ela funciona.

— O papel da OMS é uma decisão dos seus estados membros, ela não é uma estrutura independente — explica Paulo Buss, diretor do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz. — Numa pandemia, ela deve manter a informação corrente atualizada, reunir especialistas que os 193 países membros indicam e especialistas das melhores universidades do mundo para criar normas.

Como as recomendações não têm caráter obrigatório, sanitaristas afirmam que é contraditório, por exemplo, acusar a OMS de interferência política nos EUA e pedir que ela conteste os números da epidemia na China.

A construção de consenso científico para uma doença nova como a Covid-19, portanto, torna a OMS alvo quando decide mudar diretrizes. Isso aconteceu em pelo menos três momentos desde o início da epidemia.

O primeiro foi a demora em reconhecer o quanto as máscaras faciais eram um elemento importante no combate à epidemia. O segundo foi nas idas e vindas da indicação de cloroquina para testes clínicos. O terceiro foi um equívoco cometido na comunicação do consenso sobre o risco de portadores assintomáticos do novo coronavírus transmitiram a doença.

Ciência com pressa

Para Deisy Ventura, da USP, o atropelo com que algumas recomendações são feitas é natural para um estado de pandemia, e são fruto da maneira como a ciência evolui.

— A OMS segue evidências científicas, mas é claro que elas têm idas e vindas para uma doença tão nova — afirma a professora.

Segundo a sanitarista, evocar eventuais erros da OMS para defender a saída do Brasil da entidade seria um equívoco. Por ser um país que contribui relativamente pouco para a entidade, o Brasil recebem em troca mais do que aquilo que empenha hoje na OMS.

A cronologia da disseminação

30 de dezembro/19 – O novo coronavírus é isolado pela primeira vez num paciente em Wuhan, China

30 de janeiro – OMS classifica Covid-19 como “Emergência de Saúde Pública de Âmbito Internacional”

26 de fevereiro – Primeiro paciente é diagnosticado com coronavírus em solo brasileiro

11 de março – Pela primeira vez a OMS se refere à epidemia de Covid como uma “pandemia”

17 de março – Brasil registra primeira morte por coronavírus

2 de abril – Casos de Covid-19 registrados no mundo chegam a mais de 1 milhão

1 de maio – A OMS estende a declaração de emergência internacional, que vigoraria só por três meses