fonte: Folha de SP

No momento em que a teleconsulta tem sido apontada como medida essencial no enfrentamento da pandemia de Covid-19, uma pesquisa mostra que mais de 70% dos profissionais de saúde da atenção primária do SUS estão utilizando os próprios celulares para acompanhar os pacientes a distância.

Apenas 12% deles relatam ter acesso a um aparelho institucional. Quase 60% também se queixam da qualidade da internet, com piores resultados nas regiões Norte e Nordeste.

Os resultados são de uma pesquisa conduzida pela USP, Fiocruz, UFBA (Universidade Federal da Bahia) e UFPEL (Universidade Federal de Pelotas).

Foram entrevistados 2.566 profissionais da saúde e gestores que atuam na atenção básica de todos os estados mais o Distrito Federal, entre 25 de maio e 30 de junho, de modo a representar o país.

“Ainda que nos últimos anos há mais UBSs com internet, só 40% dos profissionais têm internet boa nas suas unidades. Para fazer um atendimento a distância, o vídeo é crucial para identificar sinais clínicos, por exemplo”, diz Ligia Giovanella, uma das pesquisadoras e professora da Fiocruz.

Para ela, o fato de que 70% dos profissionais usam os seus próprios celulares mostra um engajamento da parte deles, mas o correto seria haver celulares institucionais, com créditos, assim como faz atualmente o serviço nacional de saúde português.

Outro achado que surpreendeu os pesquisadores foi a persistente falta de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual). Só 21% dos profissionais relatam ter sempre disponível tudo o que precisa. Há diferenças entre as regiões brasileiras (16,1% no Nordeste e 38,5% no Sul).

Avental impermeável, por exemplo, só 32% têm. Luvas (85,7%), máscaras cirúrgicas (67,2%) e óculos (62,7%) já são mais acessíveis.

A oferta de termômetro infravermelho, que permite a medição da temperatura a distância, foi suficiente para apenas 18,7% dos profissionais entrevistados. De oxímetros (que medem a saturação de oxigênio no sangue), para 35,6%, e de oxigênio, para 34,7%.

No caso dos oxímetros, Giovanella acredita que o cenário possa ter mudado porque o projeto Todos pela Saúde doou recentemente 104.581 aparelhos aos municípios, segundo o Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde).

A testagem continua sendo outro gargalo: só 18,9% dizem ter acesso a testes RT-PCR para Covid-19. Isso prejudica muito a vigilância em saúde. “Você precisa identificar o caso, notificar, isolar, ir atrás dos contatos dos infectados, isolá-los por sete a 14 dias e também testá-los. Sem testes, não é possível fazer isso.”

Os agentes comunitários de saúde (ACS), com seu trabalho rotineiro nos territórios, também têm papel fundamental na vigilância em saúde, mas somente 37% dos entrevistados informaram que estão atuando prioritariamente na comunidade.

Durante a pandenia, muitos foram deslocados para as unidades de saúde para fazer a recepção dos pacientes.

“Temos no país mais de 260 mil agentes. Eles são cruciais no apoio social às famílias mais vulneráveis, na educação em saúde por visita peridomiciliar (até o portão, por exemplo), com EPI adequado, e a distância por WhatsApp e telefone implica disponibilizar créditos de internet e telefone”, diz Giovanella.

Uma outra situação que atrapalha as ações de vigilância é o fato de que quase 30% dos profissionais dizem que as UBSs em que atuam não foram notificadas sobre casos suspeitos e confirmados de Covid-19 sua área de abrangência.

Outro dado que chama a atenção é a falta de capacitação entre os profissionais: apenas 34,4% realizaram treinamentos conjuntos sobre o uso de EPIs e sobre a Covid-19.

“Tem muita gente que se capacita sozinha, busca informações na internet, mas chama a atenção a falta de um treinamento pelo gestor. O conhecimento sobre a doença foi se transformando, essa educação precisa ser permanente.”

Os resultados da pesquisa foram debatidos em um evento online da Abrasco (Associação Brasiliera de Saúde Coletiva).

Para Maria José Evangelista, assessora técnica do Conass (Conselho Nacional de Secretários da Saúde), muitas dessas carências refletem a estratégia adotada pelo poder público de priorizar investimentos em hospitais de campanha, deixando as unidades de atendimento em segundo plano.

“Muita unidade fechou. A vigilância que tinha que ser feita na atenção primária não foi feita. Ficamos só contando as pessoas que adoeciam, iam para o hospital e morriam.”

Para Aylene Bousquat, professora de saúde pública da USP, um dos pontos positivos encontrados no trabalho foi a rapidez com que os profissionais incorporaram mudanças de rotina, como os atendimentos virtuais.

Há mais exemplos: 80,2% dos gestores e 89,5% dos profissionais relatam que houve separação do fluxo de pacientes com Covid. A criação de espaços exclusivos, dentro ou fora das UBSs, foi relatada pela maioria dos entrevistados (77%). “Há um comprometindo claro com os usuários”, afirma.