fonte: BBC Brasil

Durante os últimos quatro anos e meio, Katherine Rivera percorreu quase diariamente o trajeto de 30 minutos entre sua casa, no Estado de Connecticut, e o Hospital Infantil Blythedale, no condado de Westchester, em Nova York, para visitar sua filha Maria.

Diagnosticada ainda no útero com artrogripose, uma doença congênita rara que afeta todas as suas articulações, o torso e o maxilar, Maria nasceu em outubro de 2015 e passou praticamente a vida inteira internada. Nas visitas, mãe e filha conviviam e brincavam durante várias horas.

“Eu dava banho, arrumava seu cabelo, deitava ao seu lado na cama, contava histórias”, diz Katherine à BBC News Brasil.

Mas essa rotina foi abruptamente interrompida pela pandemia de covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. Em março, quando Nova York se transformou no epicentro da pandemia nos Estados Unidos, o governo estadual passou a proibir visitas hospitalares para evitar o risco de propagação do vírus.

Essas restrições foram especialmente difíceis para famílias de crianças como Maria, portadoras de doenças raras ou outros problemas graves de saúde e com necessidade de internação de longo prazo.

“Foi muito difícil”, diz Katherine, obrigada a ficar 145 dias sem poder ver a filha. “Ir ao hospital ficar com ela era parte da minha rotina. Eu me senti perdida.”

Desde a metade de março, o único contato da família com Maria era por chamadas de vídeo feitas pelos médicos e enfermeiros do hospital.

Mas, na semana passada, depois de quase cinco meses, Katherine e outras famílias de crianças internadas no hospital em Nova York puderam finalmente reencontrar seus filhos.

“Eu não sabia o que esperar. Não sabia como ela iria reagir depois de 145 dias. Estava com medo de que, apesar de termos nos visto por vídeo (durante esse período), ela fosse ficar assustada ao me ver pessoalmente”, conta Katherine.

“Mas ela me olhou e começou a rir. E foi maravilhoso saber que, mesmo depois de tantos dias, ela sabia exatamente quem eu era.”

Maria é uma entre 24 pacientes da unidade de cuidados prolongados do Hospital Infantil Blythedale. São bebês, crianças e adolescentes que necessitam de cuidados altamente especializados.

Com a queda no número de novos casos de covid-19 em Nova York, o Estado começou a relaxar as restrições, e no dia 2 de agosto a unidade pôde começar a retomar as visitas de familiares.

“Foi muito emocionante poder estar fisicamente perto dela novamente”, disse Marie Phanor depois de visitar sua filha Taylor, de 18 anos, pela primeira vez desde março.

Marie conta que, há seis anos e meio, Taylor foi atropelada quando caminhava para pegar o ônibus escolar.

“Era cedo da manhã, horário de verão”, lembra a mãe. “Nunca pensei que seria a última vez que eu veria minha filha andar ou falar. É muito difícil, mas felizmente ela ainda está aqui. Ela poderia ter morrido.”

Marie diz que o estresse de não poder visitar a filha durante as restrições nos últimos meses foi aliviado pelo fato de saber que a equipe de médicos e enfermeiros estava fazendo o possível para cuidar dela.

“Isso me deixou segura”, afirma. “Com um filho nessa situação, você precisa enfrentar muito mais do que jamais imaginou. É parecido com o que está ocorrendo agora no mundo, nenhum de nós imaginou que estaria lidando com isso (a pandemia).”

Marie diz que a coragem e a perseverança da filha servem de inspiração. “Não importa que desafios e obstáculos encontre, você é capaz de superar.”

‘Eu passei esse tempo todo chorando’

Felicita Melendez não parava de sorrir ao reencontrar o bisneto, Abner, de três anos de idade.

“Eu passei esse tempo todo chorando”, conta, ao relembrar os mais de quatro meses vendo o bisneto somente por chamadas de vídeo.

“Ele é a minha vida. Me acalmei quando o vi chegar (na sala do hospital reservada para a visita).”

Abner nasceu extremamente prematuro, após apenas 23 semanas de gestação, e enfrentou várias complicações médicas. Internado desde que nasceu, ele é considerado um “bebê milagroso” pelos médicos.

Ele já não precisa mais de respirador, mas ainda usa uma sonda para alimentação e precisa de fisioterapia, terapia ocupacional e terapias para melhorar a alimentação. Felicita diz que a família espera um dia poder levá-lo para casa.

“Tivemos várias mudanças no cuidado das crianças (desde o início da pandemia), para garantir sua segurança”, diz o diretor médico do Blythedale, Scott Klein, ressaltando que não houve nenhum caso de covid-19 entre pacientes do hospital.

“As restrições a visitas foram muito difíceis para as famílias. Fizemos o possível para oferecer visitas virtuais, mas não se compara a estar pessoalmente com seu filho”, reconhece Klein.

Antes da pandemia, as famílias podiam visitar as crianças internadas na unidade de cuidados prolongados em seus quartos, a qualquer hora e sem limite de tempo. Dependendo do caso, também podiam passar algumas noites no hospital ao lado dos filhos.

Agora, apesar da retomada das visitas, ainda há algumas restrições. As visitas na unidade têm duração máxima de uma hora, são feitas em uma sala especial e limitadas a duas famílias por dia, para evitar aglomeração e garantir que haja tempo para higienização das instalações entre um visitante e outro.

Com isso, as famílias podem ver seus pacientes no máximo uma vez por semana. Antes de entrar na unidade, todos os visitantes recebem uma máscara cirúrgica e têm de passar por checagem de temperatura, responder a um questionário sobre sintomas e contato com doentes e higienizar as mãos com álcool gel.

‘Como ela estará se sentindo, sem ninguém da família?’

Katherine diz que seus outros três filhos – Matthew, de sete anos, Jesse, de três, e Khloe, de quase um ano – ainda não visitaram Maria após o relaxamento das restrições e estão ansiosos para rever a irmã.

“Nas chamadas de vídeo, sua irmãzinha menor fica superempolgada, bate palmas, quer beijar o telefone”, conta.

Segundo Katherine, quando os filhos ficavam frustrados por estar dentro de casa durante a quarentena, ela pensava em Maria.

“Eu comparava (sua situação) com a dos irmãos em casa. Pensava, se eles estão se sentindo assim, como ela estará se sentindo, sem ninguém da família com ela (no hospital)?”

Katherine se diz grata à equipe médica que cuidou da filha e fez o possível para que Maria se sentisse feliz durante esse período.

“Eu conheço essas pessoas há tantos anos, ela está lá basicamente desde que nasceu”, observa. “Confio neles, sei que a amam, mimam, dão toda a atenção, sempre me mandavam fotos.”

Agora, Katherine tenta se ajustar às novas regras de visitação. “É ótimo poder (voltar a) ver Maria, mas é muito diferente (de antes da pandemia), será uma grande adaptação.”

Ela ressalta que sua filha é uma menina irreverente, esperta e divertida, que gosta de usar vestidos coloridos e grandes laços no cabelo.

“Maria é uma menina forte. Os médicos nem esperavam que ela fosse sobreviver. Quando descobri seu diagnóstico, recomendaram que eu interrompesse a gravidez”, lembra.

“Eu decidi que queria continuar e que, se fosse sua hora após o nascimento, queria ter a tranquilidade de ter lhe dado uma chance. E olhe onde estamos hoje, quase cinco anos depois.”