fonte: Folha de SP

Avançar no desenvolvimento de testes menos invasivos para detectar câncer e assegurar que essa tecnologia alcance ampla parte da população é um caminho de sucesso para ampliar o diagnóstico precoce da doença, segundo a comunidade médica.

Atualmente, alguns dos principais exames para detectar tumores malignos não são bem-quistos pela população por serem invasivos e demandarem preparo prévio do paciente. É o caso da colonoscopia, que investiga câncer colorretal e outras doenças, e é indicada para ser feita após os 45 anos.

O oncologista Alessandro Leal, responsável médico pela medicina de precisão do Hospital Israelita Albert Einstein, aponta como bom exemplo as biópsias líquidas, feitas a partir da coleta de sangue. Com elas, é possível detectar se há DNA tumoral circulante no organismo, antes que apareçam os sintomas.

“Para a maioria dos cânceres, o diagnóstico ainda se dá em casos avançados, o que colabora para a sua maior mortalidade e baixa taxa de cura. Programas de rastreamento impactam na sobrevida global”, afirma Leal, que é pós-doutorado em genômica do câncer pela Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos.

A análise foi feita nesta quinta-feira (24), durante um dos debates do sétimo Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, realizado virtualmente em razão da pandemia.

Nos últimos anos, a Johns Hopkins e o Hospital Albert Einstein têm estudado novas tecnologias capazes de detectar o DNA tumoral na circulação.

A estratégia é, por meio do sequenciamento do genoma, observar a fragmentação no DNA de pacientes com câncer e naqueles sem a doença. Uma ferramenta de inteligência artificial ajuda, então, a compreender o subtipo de tumor a partir do padrão de fragmentação.

“É um método de baixo custo, minimamente invasivo e por análise computacional a gente consegue dizer se o paciente tem câncer ou não”, resume o oncologista.

POLÍTICA PÚBLICA

Além da ampliação dos programas de rastreamento, foi destacada a importância da contenção dos fatores de risco para o câncer, como tabagismo, má alimentação, inatividade física e exposição solar.

Pesquisa de estudiosos brasileiros publicada na revista científica Plos One estima que, neste ano, os fatores de risco estarão na origem de 34% dos casos de câncer e 42% das mortes em decorrência da doença.

Os debates sobre o tema, em especial a importância de uma alimentação saudável, que priorize alimentos minimamente processados ou in natura, têm sido constante ao longo do congresso.

Pesquisador na Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da OMS (Organização Mundial de Saúde), Andre Carvalho afirma que o Brasil tem sido bom exemplo mundial quando o assunto é mitigar os fatores de risco, como o tabagismo e a exposição à radiação. Mas isso muda quando o assunto é a má alimentação e a inatividade física.

“Mesmo a gente sabendo que a obesidade está diretamente ligada ao aumento da ingestão de alimentos calóricos e a uma baixa atividade física, não vemos políticas públicas no Brasil para ajudar a reverter essa tendência, que é mundial”, critica o oncologista.

“Depender somente do indivíduo para mudar o seu estilo de vida é algo difícil de atingir.”

Carvalho lista algumas das ações para reverter o cenário que deveriam ser aplicadas no Brasil: aumentar o consumo de frutas, vegetais e legumes, diminuir ou limitar a ingestão de gorduras, açúcar e sal.

O pesquisador da OMS aponta também que é preciso gerenciar impostos e subsídios alimentares para uma dieta saudável, como aumentar a tributação dos ultraprocessados.

EMOÇÃO TAMBÉM PESA NA BALANÇA DOS FATORES DE RISCO

O coordenador do programa Survivorship do Hospital Albert Einstein, Fábio Romano, acrescenta que apenas o conhecimento sobre os fatores de risco não é suficiente para fazer escolhas acertadas para uma vida mais saudável.

Ele explica que outros fatores influenciam na hora de tomar uma decisão, como o prazer imediato, as necessidades básicas, o medo e as experiências passadas do indivíduo. Muitos deles estão ligados à produção de ocitocina pelo corpo, hormônio relacionado à sensação de prazer.

“Todas as decisões são tanto racionais, quanto emocionais. Mas, na grande maioria das vezes, a parte irracional tem um peso maior que a racional”, diz.

Uma boa estratégia, afirma, é cuidar das pré-condições —aquelas sobre as quais o indivíduo têm controle e que podem impactar no momento de tomar uma decisão.

Assegurar mais momentos agradáveis, como exercícios físicos, lazer e horários de descanso, ajuda na produção constante de ocitocina e diminui a intensidade dos gatilhos emocionais que induzem a praticar os fatores considerados de risco.