fonte: O Globo
por Francisco Balestrin, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo
Um economista francês do século XIX chamado Frédéric Bastiat escreveu sobre uma falácia muito comum: aquilo que se vê e aquilo que não se vê. Bastiat usou o exemplo de um menino que quebra a janela da padaria. Se formos olhar somente pelo que se vê, vamos achar que o menino fez um bem à sociedade. Afinal, o padeiro tem que contratar um vidraceiro para reparar a janela, e o vidraceiro, por sua vez, compra vidros de uma vidraçaria, que também tem seus fornecedores de matéria-prima e empregados. Assim, o vandalismo do menino parece ajudar a sustentar toda uma cadeia produtiva.
O problema é aquilo que não se vê. O que teria acontecido se a janela não tivesse sido quebrada? O padeiro certamente teria usado os seus recursos para algo diferente — um novo forno, uma expansão da padaria, além de manter a janela intacta. Assim, se focarmos na janela quebrada, perdemos um universo de possibilidades que estão à nossa frente.
Com o SUS, frequentemente, caímos nessa falácia. Ele parece uma janela quebrada. O que se vê, às vezes, é bastante perturbador. Todos já vimos e experimentamos descaso, filas, desperdícios, corrupção e os mais variados absurdos acontecendo cotidianamente. É mais difícil, entretanto, perceber aquilo que não se vê: como seria o nosso país se não tivéssemos o SUS?
Nesses 30 anos, a saúde brasileira deu um salto exponencial. Avançamos e muito mais rápido do que o resto do mundo. Nesses 30 anos, ganhamos mais de 10 de expectativa de vida. Nossos índices de mortalidade infantil reduziram-se em mais de 75%. O Brasil elevou os seus níveis de vacinação, combateu com eficiência a epidemia de HIV/Aids, expandiu a cobertura de atenção primária e reduziu a menos da metade os índices de tabagismo.
Num tempo com tantos desafios, a pandemia evidenciou o papel relevante do Sistema Único de Saúde, que salvou a vida de milhares de brasileiros que não dispunham de planos de saúde. É preciso sempre lutar para fortalecer um sistema de saúde público e cada vez mais inclusivo.
Sem o SUS, a pandemia teria instalado o caos social, e o Estado contabilizaria um enorme prejuízo, com muito mais vidas perdidas.
O SUS tem muitos problemas. Mas, neste momento em que celebramos seus 30 anos, talvez seja a hora de nos lembrarmos daquilo que não vemos que ele fez por nós. Das milhões de crianças que deixaram de morrer prematuramente, ou que poderiam ter contraído pólio ou sarampo.
Então, que continuemos lutando por um SUS cada vez melhor. Precisamos de um SUS preparado para a era digital, um SUS que seja integrado com a sociedade e com o setor privado e que tenha foco fundamental em ações de prevenção e promoção da saúde. Isso não acontecerá da noite para o dia —levou 30 anos para chegarmos até aqui. Outros tantos serão necessários para transformarmos o SUS num sistema que nos encha de orgulho, tanto naquilo que se vê quanto naquilo que não se vê.