fonte: SOPERJ
A educação é um direito fundamental da criança e do adolescente. A Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ) entende a importância de um posicionamento nesse momento tão importante que envolve a volta às aulas. A pandemia de Covid-19 se transformou num dos maiores desafios da saúde pública. Portanto, as decisões são muito difíceis e envolvem diversos setores da sociedade, mas fundamentalmente as áreas da saúde e educação. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO) destaca que quando as escolas fecham, crianças e jovens são privados de oportunidades de crescimento e desenvolvimento. Essas desvantagens são desproporcionais para alunos desfavorecidos que tendem a ter menos oportunidades educacionais fora da escola.
A Sociedade Brasileira de Pediatria em Reflexões da Sociedade Brasileira de Pediatria sobre o retorno às aulas durante a pandemia de Covid-19 (https:http://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/SBP-RECOMENDACOES-RETORNO-AULAS-final.pdf) relata que grande parte das crianças, quando infectadas, não apresentam sintomas, fato que, provavelmente, reduz as chances de que transmitam de forma intensa o vírus, ao contrário do que ocorre com os pacientes sintomáticos.
Em documento em que orienta sobre o retorno escolar presencial e seguro, a FIOCRUZ cita, de forma contundente, a preocupação dos Organismos Internacionais quanto ao retorno escolar presencial ocorrer o mais breve possível. Abaixo dois trechos do documento merecem destaque (disponível em https:http://portal.fiocruz.br/documento/contribuicoes-para-o-retorno-atividades-escolares-presenciais-no-contexto-da-pandemia-de visto em 24/09/2020):
“ONU reafirma a preocupação da OMS externada há meses sobre milhões de crianças fora da escola e o seu sofrimento. Na pandemia, 1 bilhão de crianças vivenciaram as escolas fechadas e muitos terão dificuldade para retornar às suas atividades. Provavelmente, essas crianças entrarão precocemente nos processos produtivos para sobrevivência, dada a crise econômica pós-pandemia nos países, principalmente os periféricos. No entanto, embora tanto ONU quanto a OMS coloquem claramente que a prioridade deva ser as crianças nas escolas, esse retorno deve se dar de forma segura, quando os governos tiverem o controle da pandemia.”
“Um dos problemas apontados é a prioridade invertida das autoridades governamentais ao abrirem outras atividades como academias, shoppings e restaurantes, o que pode levar ao aumento do contágio na cidade e atrasar ainda mais a reabertura das escolas de forma segura. A escola deveria ser vista como serviço essencial, para que a sua abertura precedesse a de outros serviços não essenciais e a centralidade fosse na educação e na saúde.”
Há uma polarização a respeito da reabertura das escolas. Existem os que se opõem de forma radical e aqueles que a recomendam com igual ênfase. Os argumentos de ambas as posições contêm verdades, meias-verdades e desinformação.
A Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro, representando os pediatras do nosso Estado, se coloca em posição de isenção político-partidária, ideológica ou de mera opinião. Nos expressamos baseados nas melhores evidências científicas e epidemiológicas que dispomos.
Não se trata, portanto, de uma batalha de opiniões onde um lado será vencedor e o outro derrotado. Acreditamos que o foco de toda a discussão deva ser a criança e sua família, com argumentos cientificamente sustentáveis. Mas é preciso dizer que não sabemos tudo a respeito da Covid-19. É uma doença nova causada por um vírus novo. Em dez meses o conhecimento acumulado cresceu exponencialmente e, mesmo assim, ainda existem lacunas importantes não preenchidas.
O que sabemos? Sabemos que crianças se infectam com menos frequência do que adultos e que, quando adoecem, apresentam a doença de forma mais branda. Sabemos que crianças podem transmitir a doença, mas existe controvérsia a respeito da intensidade dessa transmissão. Também sabemos que os países que abriram suas escolas, o fizeram com diferentes estratégias e, tirando casos pontuais (Israel e algumas escolas na França), não houve mudança relevante nas curvas de casos e óbitos.
Sabemos mais. Sabemos que a interrupção escolar prolongada causa atraso na cognição e este impacta o aprendizado. Esta questão é tanto mais grave quanto maior for a vulnerabilidade (pobreza) das crianças. Desta forma, manter as crianças fora da escola potencializará as diferenças de acesso a empregos, renda e saúde. Também sabemos que manter as escolas fechadas impacta a economia com potencial redução de renda dessa geração e do PIB dos países até o final do século.
Sabemos ainda que a escola é a principal responsável pela retenção de alunos, principalmente os pré-adolescentes e adolescentes. Quanto mais longo o período de fechamento das escolas, maior o risco de evasão escolar e suas consequências danosas.
Sabemos também que a escola não é apenas um lugar seguro onde as crianças ficam para que seus pais possam trabalhar. A escola desempenha um papel primordial no desenvolvimento de competências fundamentais para uma vida em sociedade: socialização, empatia, compaixão, disciplina, autoconfiança e independência. Crianças não serão futuros seres humanos somente quando crescerem. Já o são, desde o nascimento e seu desenvolvimento emocional sofre consequências no curto e longo prazo. Imaginar que crianças não sofrem de ansiedade e depressão é desconhecer a natureza humana das crianças. Nesta pandemia, esse sofrimento tem sido intenso, com exposição a algo pouco habitual na vida de crianças: a morte. Esse assunto dominou as nossas vidas. Na escola as crianças encontram um ambiente propício para elaborar esses sentimentos.
A epidemiologia no Rio de Janeiro revela um quadro com uma curva descendente de casos e óbitos, com algumas flutuações. Evidentemente que a SOPERJ vê com apreensão o comportamento coletivo de ignorar medidas de mitigação e que este padrão poderá levar a uma mudança radical do número de casos e óbitos. Por outro lado, estatísticas devem ser, sempre, analisadas com cautela porque como diz a anedota, o estatístico se afogou em um rio que tinha, em média, um metro de profundidade. Assim, ao analisarmos a taxa de ocupação dos leitos, é preciso separar o que é crescimento real do que possa ser simplesmente a consequência do fechamento de hospitais de campanha e/ou a vinda de casos “importados” de outros municípios, que não contam com UTIs, para a cidade do Rio de Janeiro.
Finalmente, a SOPERJ defende a vida e nesse contexto tem um olhar para professores e funcionários das escolas. Protocolos viáveis devem ser implantados a fim de assegurar a todos o menor risco possível. Não existirá uma situação sem risco algum. A vida contém riscos e não nos paralisamos por isso. Ao contrário, seguimos em frente, sem sermos irresponsáveis.
A SOPERJ, diante do atual quadro epidemiológico do Rio de Janeiro e do conhecimento científico acumulado, defende a abertura de todas as escolas, principalmente as públicas, como forma de assegurar que o dano já feito pela Covid-19 na saúde e, mais importante, no futuro das crianças, seja minimizado e não perpetuado.
Agradeço aos presidentes dos Departamentos Científicos de Infectologia, Saúde Escolar e Imunização pela revisão atenciosa deste documento.
Katia Telles Nogueira
Presidente da SOPERJ Triênio 2019-2021
Em anexo dois documentos que contribuem para o embasamento do retorno seguro às escolas, o documento da SBP e das pediatras Patrícia Barreto e Lívia Esteves que gentilmente disponibilizaram para a SOPERJ.