fonte: Faperj
Coordenada pelo pesquisador Fernando Augusto Bozza, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Medicina Intensiva do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (INI/Fiocruz), em uma colaboração com pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), a pesquisa, que utilizou dados do Sistema Único de Saúde (SUS) coletados nas cinco reiões brasileiras, revela dados alarmantes. Do universo de 254.288 pacientes hospitalizados que testaram positivo para a Covid-19, 38% (87.515) faleceram; dos 79.687 pacientes que foram internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), 59% (47.002) não sobreviveram, e nada menos que 80% (36.046) dos 45.205 doentes que precisaram de auxílio de respiradores morreram. E para quem ainda acha que a doença só afeta idosos, os dados mostram que 1/3 dos pacientes hospitalizados tinha menos que 50 anos e 47% menos de 60 anos.
Publicado em 15 de janeiro, o artigo Caracterização das primeiras 250 mil internações hospitalares por COVID-19 no Brasil: uma análise retrospectiva de dados nacionais (https:http://www.thelancet.com/journals/lanres/article/PIIS2213-2600(20)30560-9/fulltext#sec1) também mostra como a epidemia atingiu populações das diferentes cinco regiões brasileiras (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) de forma desigual. Os maiores impactos foram observados nas regiões em que a renda per capita é mais baixa e os sistemas de saúde mais precários, como por exemplo no recente colapso no estado do Amazonas, onde apenas na capital, Manaus, há UTIs.
A análise abrangeu retrospectivamente os dados de pacientes internados com Covid-19 durante os primeiros cinco meses da pandemia no Brasil, usando um banco de dados de âmbito nacional que cobre cada macrorregião. Foram avaliados doentes com registro no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Influenza (Sivep-Gripe), usado desde 2012 pelo Ministério da Saúde para monitorar infecções respiratórias agudas graves no Brasil, entre os dias 16 de fevereiro e 15 de agosto de 2020. Neste período, a região Norte já apresentava 79% de mortalidade de pacientes em UTI, contra 49% no Sudeste. Os números mostram uma alta mortalidade hospitalar, mesmo entre pacientes jovens, e diferenças regionais substanciais em termos de recursos disponíveis e desfechos da doença. Do total de pacientes avaliados, 16% não tinham comorbidades e 72% receberam algum suporte respiratório (invasivo ou não invasivo). A mortalidade hospitalar em pacientes com menos de 60 anos foi de 31% no Nordeste contra 15% na região Sul. O Sivep-Gripe registra os casos e mortes devido à doença lançados por todas as unidades de saúde dos municípios, confirmados pelo teste RT-PCR, que é considerado o mais eficaz, ou padrão de referência, já que identifica o vírus e confirma a Covid-19 por meio da detecção do RNA do vírus.
Bozza, que recebe apoio da FAPERJ para a realização de suas pesquisas por meio do programa Cientista do Nosso Estado (CNE) e da chamada Apoio a Projetos Temáticos, diz que o estudo ganhou grande repercussão, tanto dentro da comunidade científica quanto da população em geral. “Um dos objetivos da equipe foi informar os resultados da pesquisa por meio de uma linguagem acessível e em que os dados falassem por si”. Os pesquisadores foram motivados pela extrema pressão que a pandemia de Covid-19 provocou nos sistemas de saúde em todo o mundo, em especial devido ao aumento de internações hospitalares e o crescimento da demanda por leitos de UTI, suporte respiratório avançado e profissionais de saúde treinados. Para Fernando Bozza, o fato de o artigo ter “viralizado” nos diversos grupos de médicos nas redes sociais e tido boa repercussão na mídia mostra a importância da reflexão social e política sobre a epidemia e esse momento dramático para a humanidade e para o País.
No artigo, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de o Brasil ter uma população de 210 milhões de habitantes distribuídos em uma extensa área territorial, com grande heterogeneidade entre suas cinco macrorregiões, incluindo disparidade socioeconômica, que se reflete na qualidade dos serviços regionais de saúde. “A Covid-19 afeta as populações e os sistemas de saúde de forma desigual, colapsando primeiro os sistemas de saúde mais frágeis e provocando desfechos piores sobre as populações mais vulneráveis, tanto econômica quanto biologicamente”, afirma o médico intensivista. A proporção geral de mortes hospitalares foi maior entre pacientes analfabetos (63%), negros ou pardos (43%) ou indígenas (42%).
“Embora a pesquisa confirme o impacto negativo da pandemia sobre o sistema de saúde e sobre a população brasileira, também mostra a importância do Sistema Único de Saúde (SUS), onde foram gerados e disponibilizados os dados para a pesquisa”, ressalta Bozza. Ele diz que o principal objetivo do trabalho foi mostrar que a Covid-19 é realmente uma doença grave, com um índice de mortalidade muito alto e que atinge todas as faixas etárias, até mesmo os jovens. E que os dados estatísticos apresentados deveriam servir para nortear políticas públicas e ações para o enfrentamento da segunda e demais ondas que a doença possa provocar. “O País tem os dados, tem a competência para analisar os dados, mas precisa usar os dados e informações para planejar ações, elaborar políticas públicas e tornar o sistema de saúde um sistema inteligente. É triste saber que apesar da disponibilidade dos dados, a mortalidade no País não caiu”, alerta o médico.