fonte: Folha de SP

À frente de um grupo de lideranças da saúde privada que negocia com deputados federais o aumento da oferta de leitos ao SUS e incentivos ao setor para enfrentar a crise provocada pela pandemia de Covid-19, o médico Cláudio Lottenberg diz que existe uma falsa impressão de que está sobrando leitos nos hospitais particulares.

“Os hospitais da Anahp [Associação Nacional de Hospitais Privados] estão lotados, com mais de 95% de ocupação. Pode ser que outros tenham outra perspectiva”, afirma Lottenberg, que preside o Instituto Coalizão Saúde e o Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein.

Segundo ele, adiar novamente procedimentos eletivos para abrir mais leitos Covid não é uma alternativa e poderia provocar uma quebradeira no setor: “Com pacientes Covid, a estrutura hospitalar não se mostra sustentável. Pacientes Covid exigem uma mão de obra intensa, é um paciente caro, que precisa de muita gente, fisioterapeuta, enfermeira, médico intensivista, mas [a operadora] remunera mal”.

Uma das propostas discutidas pelos deputados com o setor da saúde privada é um projeto de lei que cria o Programa Pró-Leitos, que incentiva pessoas físicas e jurídicas a contratar leitos clínicos e de UTI da rede privada para o SUS. O valor investido poderá ser deduzido do Imposto de Renda.

O texto principal do projeto foi aprovado em votação simbólica na quarta (24). O projeto seguiu para o Senado.

Para Lottenberg, essa lotação dos hospitais representa uma falha do sistema de saúde, que não adotou ações preventivas e não se planejou para a vacinação contra a Covid-19.

Como está a situação do oxigênio e de outros insumos nos hospitais privados?

O Einstein está consumindo quatro vezes mais oxigênio do que consumia antes devido à natureza dos pacientes internados [com Covid].

O problema é a mecânica de entrega dos chamados bujões de oxigênio. São Paulo está conseguindo se virar, mas não sei se isso acontece em outros estados. Fora isso, começaram a faltar outros insumos importantes, como kits de anestesia e drogas normais.

O setor privado também está enfrentando essa falta de medicamentos e insumos?

Ainda não porque tem em estoque. Acontece que, em um certo momento, o Ministério da Saúde quis centralizar a distribuição disso e chegou a ameaçar a confiscar algumas entregas.

Além de não ter informação adequada no país para fazer essa distribuição, essa medida prejudica sistemas de saúde e hospitais que haviam comprado. É o pior dos mundos.

Conversamos com os deputados doutor Luizinho [PP-RJ], Hiran Gonçalves [PP-RR], com objetivo de encontrar o caminho para uma certa flexibilização junto à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e ao Ministério da Saúde.

Outro tema em discussão é a oferta de leitos privados ao SUS em troca de isenção de imposto de renda. Como funcionaria isso?

O presidente da Câmara Arthur Lira [PP-AL] e outros deputados têm a impressão que está sobrando leito [no setor privado] para transformar em leito Covid, mas não está. Os hospitais da Anahp estão lotados, com mais de 95% de ocupação. Talvez os outros hospitais tenham outra perspectiva, precisamos levantar isso.

Não é o caso de suspender novamente os procedimentos eletivos?

O problema é que os pacientes Covid têm uma margem de contribuição muito menor, muito ruim, você não consegue manter uma estrutura hospitalar baseado num aporte maior só de pacientes Covid. Você vai transformar as UTIs de pacientes eletivos e postergar cirurgias por mais seis meses? Você cria uma quebradeira enorme no setor privado. É o tipo da coisa que não dá para imaginar de ser feita dessa forma.

Mas não há possibilidade de reservar apenas uma parte dos leitos de cirurgias eletivas?

É uma possibilidade, mas, com pacientes Covid, a estrutura hospitalar não se mostra sustentável. Você precisa de produção de pacientes não-Covid, procedimentos mais complexos, tempo médio de recuperação mais curto porque é isso que viabiliza a sustentação dos hospitais.

Você não pode quebrar os hospitais. Pacientes Covid exigem uma mão de obra intensa, é um paciente caro, que precisa de muita gente, fisioterapeutas, enfermagem, médicos intensivistas, mas [a operadora] remunera mal. Porque habitualmente as diárias têm valores fixos. E existe uma carência de mão de obra profissional, que está mais onerosa. Precisa ter uma compensação financeira.

Não é o caso de rever essa diária Covid paga pelos planos?

Estamos tentando, mas as operadoras não têm como pagar a mais.

Qual a proposta então?

O deputado [Luizinho] colocou que uma possibilidade é encontrar uma diária [hospitalar] que passasse a ser interessante para o prestador de serviço e montar um projeto de lei que possibilitasse doações do setor privado, estimular esse tipo de doação, que retornaria em forma de dedução do Imposto de Renda.

Não sei se será esse o projeto, mas é essa a possibilidade. Os hospitais representam hoje uma falha do sistema de saúde que não se planejou e não cuidou de ações preventivas e nem de vacinação.