fonte: Folha de SP

A sobrecarga causada pela pandemia de Covid-19 em muitos hospitais levou a um crescimento de até 35% no número de pacientes atendidos em home care no país, modalidade de assistência que passou a atuar em novas frentes com a crise sanitária.

Houve aumento de procura, por exemplo, de pacientes de Covid-19 que precisam de uso de oxigênio e medicação endovenosa durante a fase aguda da doença. Ou de reabilitação e fisioterapia após a internação hospitalar.

Além disso, com medo de se infectar no ambiente hospitalar, muitos pacientes não-Covid também têm optado por atendimento domiciliar para a realização de procedimentos como curativos e medicações na veia.

Alguns hospitais também têm sugerido esse tipo de cuidado. Na semana passada, o Hospital Sírio-Libanês, que vive aumento expressivo de ocupação de leitos, passou a estimular a transferência de pacientes crônicos estáveis para clínicas de transição ou home care.

Segundo o médico geriatra Leonardo Salgado, presidente do Nead (Núcleo Nacional de Empresas de Serviços de Atenção Domiciliar), a partir do início da pandemia, em março de 2020, o setor viveu um boom de pacientes egressos de hospitais. As instituições, temendo um colapso na assistência, liberaram doentes crônicos estáveis para seguir ou terminar o tratamento em casa. Agora, o mesmo movimento começa a ser observado.

São pacientes, por exemplo, com doença de Alzheimer que estão com pneumonia e precisam de antibiótico endovenoso, ou doentes que passaram por cirurgias, adquiriram infecções e também necessitam de medicamentos na veia e fisioterapia.

O Brasil tem cerca de 830 empresas de home care, segundo último censo feito pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e o Nead. A receita anual é estimada em R$ 10,6 bilhões, sendo 57,5% geradas por internações domiciliares (que custam, em média, 35% menos do que as hospitalares). O restante, 42%, vem dos atendimentos em casa. Em 2019, foram atendidos cerca de 292 mil pacientes. Os números de 2020 ainda estão sendo compilados.

Segundo Hyran Godinho, CEO da Pronep Life Care, marca da Sodexo voltada para atenção domiciliar, o principal papel do home care neste momento tem sido o de desafogar os hospitais.

“Tanto no atendimento de pacientes crônicos, que precisam de uma estrutura, como daqueles que sofreram uma fratura, fizeram uma cirurgia e vão precisar de antibiótico endovenoso, por exemplo. Eles não precisam ficar no hospital para tomar antibiótico, podem receber em casa.”

As empresas de atenção domiciliar também foram acionadas para atender o paciente após a alta da internação (na UTI ou não). “São, em geral, pacientes que ficaram com alguma sequela. Que ainda precisavam de algum antibiótico, anticoagulante, de oxigênio ou mesmo de fisioterapia”, conta Leonardo Salgado, do Nead.

Foi o caso do comerciante Raul Edson Zanini, 64, da capital paulista, que após uma internação de uma semana para tratar a Covid-19 seguiu com a reabilitação em casa, com medicação endovenosa (antibiótico e soro) e fisioterapia pulmonar, por mais 15 dias.

“Ainda sentia muitas dores, indisposição, cansaço. Poder terminar o tratamento em casa, mesmo trancado no quarto, me deu mais tranquilidade”, conta.

Em muitas cidades com maior sobrecarga pela Covid, o home care também foi usado por pacientes sintomáticos, que passavam pela emergência de um hospital e que depois eram monitorados e medicados em casa, com apoio de uma central 24 horas com médico e pessoal da enfermagem.

Segundo Patrícia Palomba, diretora de operações da Global Care, durante a pandemia, alguns pacientes que já estavam sob cuidados do home care e que foram infectados por Covid seguiram sendo tratados em casa, sem necessidade de ir para o hospital. “Isolamos o paciente, colocamos uma série de sinalizações na casa, entramos com as medicações, os cuidados estabelecidos nos protocolos.”

Após a confirmação do diagnóstico, também era enviado um cilindro de oxigênio, caso houvesse queda da saturação. “O paciente Covid piora muito rápido e é preciso ter recursos a mão.”

Também houve transferência de pacientes de Covid para hospitais terciários e de transição, quando a situação exigia mais cuidados, segundo Patrícia.

Para o cirurgião Raul Cutait, que teve Covid em março de 2020 e ficou quase um mês na UTI do Sírio-Libanês, os serviços de home care têm tido um papel muito importante durante a pandemia no sentido de dar suporte aos hospitais.

Ele, por exemplo, utilizou o atendimento domiciliar para receber antibiótico endovenoso antes da internação.

“Estamos vivendo um momento dramático. Ou os pacientes conseguem ir para um hospital ou não têm nenhum tipo de assistência. Muitos não precisam ser internados, mas necessitam de assistência, de apoio.”

Para ele, o atendimento pré-hospitalar deveria ser estimulado especialmente enquanto há escassez de vagas.

HOSPITAIS DE TRANSIÇÃO REABILITAM PACIENTES COVID

Outros serviços que ganharam destaque durante a pandemia foram os hospitais de transição, instituições destinadas aos pacientes dependentes de cuidados médicos complexos, mas que não precisam estar em um hospital geral.

Nelas, o paciente recebe cuidado multidisciplinar e pode completar o período de convalescença e recuperação antes de voltar para casa.

Após ser diagnosticado com Covid em maio do ano passado, o economista Pedro Cipollari, 84, iniciou o tratamento em casa com home care. “Trouxeram oxigênio, oxímetro, as medicações. Mas chegou um momento em que o meu pai teve baixa de oxigênio e a equipe achou por bem transferi-lo para o hospital de transição”, conta o administrador Pedro Cipollari Filho.

Com várias comorbidades e dificuldade de locomoção, o economista ficou 40 dias internado, com uso de oxigênio e tratamento fisioterápico intensivo, especialmente o pulmonar, além de medicação na veia.

Também precisou de uma sonda gástrica para se alimentar. Agora, está em casa sob assistência de cuidadores. “Foi muito melhor do que estar num hospital tradicional ou em home care. Tinha tudo ali, médico 24 horas, exames e fisioterapia. E não havia restrição de acesso a ele. Claro, a gente usou todo o aparato de segurança, como dois aventais, luvas, máscara”, diz o filho.

Segundo o médico Fábio Ajimura, diretor estratégico da Rede Relief, que possui dois hospitais de transição, a pandemia tem mostrado a necessidade de suporte para o paciente pós-Covid que ainda não está tão pronto para ir para casa, por exemplo, aquele que precisa de diálise porque teve comprometimento dos rins.

Doentes que estiveram internados na UTI também vão precisar de reabilitação. Muitos apresentam sequelas neurológicas, fraqueza muscular. “O foco dos hospitais gerais é o paciente agudo, cirúrgico, não é papel dele manter a longa permanência e a reabilitação.”

Se antes o hospital de transição recebia essencialmente o doente liberado do hospital, mas sem condições de voltar para casa, agora, com a Covid, ele passou a atender também pessoas que nem chegam a se internar em um hospital de alta complexidade.

“Aqui temos cateter de oxigênio, antibioticoterapia, fisioterapia respiratória. O paciente pode se estabilizar e voltar para casa. Mas há casos em que a pessoa vai precisar de um hospital mais especializado e ela será transferida.”

O hospital de transição tem estrutura para situações críticas, como equipamento para reverter parada cardíaca e ventilador mecânico. Ou seja, um aparato que consegue manter o paciente até conseguir uma vaga de UTI.

“Mas uma coisa é manter um ou outro paciente até conseguir a vaga. O problema é que, com as UTIs lotadas, essas estruturas de suporte menores podem ficar sobrecarregadas também.”

Para Ajimura, é importante entender qual o papel dessas unidades dentro da cadeia de saúde. Um paciente instável e agudo, por exemplo, não deve permanecer nessas instituições.