A CIPERJ elabora desde o ano passado uma série de publicações, voltada para o público em geral, com o objetivo de divulgar orientações a respeito de doenças frequentes que precisam da atuação do cirurgião pediátrico, dando uma opinião ou realizando a cirurgia.

Nesta semana abordaremos Apendicite Aguda, onde conversamos com a Dra. Ana Teresa Oliveira, cirurgiã pediátrica e responsável técnica da Só Crianças – Clinica de Saúde Infantil.

APENDICITE AGUDA: SINTOMAS, CAUSAS E TRATAMENTO

O QUE É APENDICITE AGUDA?

É a inflamação do apêndice, uma pequena estrutura em “dedo de luva” localizada no ceco, que é a primeira porção do intestino grosso. Essa inflamação ocorre quando o apêndice é obstruído pela retenção de materiais como sementes, restos fecais endurecidos e até parasitas intestinais (“vermes”) ou por um “inchaço” no tecido linfático que faz parte da parede do próprio apêndice, causando uma dor intensa na área baixa à direita do abdômen, na altura do umbigo e podendo se complicar de várias formas, como veremos adiante.

COMO UMA APENDICITE PROGRIDE?

Primeiro o apêndice obstrui, depois se distende e inflama, depois se enche de líquido purulento e tem a parede prejudicada por uma pressão intensa e posteriormente infectada. Após um tempo longo de obstrução o órgão pode se romper e fezes e pus extravasam para o abdome, próximo ao local do apêndice (a maioria das vezes) ou se espalhando por todo o abdome. Este é o quadro mais indesejável e de maior risco na evolução de uma apendicite: quando isso acontece, a doença deixa de acometer só o apêndice e passa a acometer a região próxima ou até a barriga inteira. Esta progressão é em parte dependente do tempo entre o início da doença e o tratamento (antibióticos e cirurgia), e é por isso que a consulta médica em casos de suspeita de apendicite é uma urgência.

Uma apendicite pode avançar para um quadro grave rápido (em menos de 24h/48h). Os principais fatores são a toxicidade das bactérias envolvidas, a competência do sistema de defesa do paciente e o tempo de duração dos sintomas. Os trabalhos científicos clássicos apontavam que a pessoa com apendicite só chegava ao pior quadro se demorasse a ser diagnosticada e tratada. Hoje em dia, como já está provado que a gravidade da apendicite não depende só do tempo, mas também da toxicidade da bactéria que infectou o apêndice e da capacidade de defesa da pessoa doente. Isso explica porque em muitos casos, mesmo os responsáveis levando a criança imediatamente ao hospital, a doença causa um quadro grave e também porque o tratamento contra a infecção é capaz de proteger de uma evolução ruim, mesmo enquanto aguarda uma cirurgia.

QUAIS SÃO OS SINTOMAS?

O sinal mais típico de uma apendicite é o surgimento de uma dor abdominal forte e aguda que pode vir acompanhada de falta de apetite, enjoo, vômitos e febre.

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?

O diagnóstico de uma apendicite não depende de exames de imagem, que na maioria das vezes são confirmatórios: o quadro clínico e o exame físico do cirurgião podem ser suficientes para afirmar o diagnóstico e indicar o tratamento.

A ultrassonografia é o exame de imagem de escolha para diagnosticar apendicite em crianças, porque é facilmente disponível, indolor e não depende do uso de radiação. Pode demonstrar o aspecto anormal do apêndice e da cavidade abdominal, é acessível na maioria dos hospitais e até em algumas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento do SUS).

Até uma radiografia “comum” do abdome pode ajudar no diagnóstico, seja através de sinais indiretos de inflamação na região do apêndice ou mostrando o corpo estranho responsável pela obstrução do apêndice (apendicolito).

A tomografia computadorizada só deve ser utilizada para crianças nos quadros avançados de peritonite (doença abdominal generalizada) ou se a ultrasonografia não for esclarecedora ou disponível. Se uma ultrassonografia é satisfatória é desnecessário expor uma criança à irradiação, que é bastante intensa no caso de uma tomografia computadorizada de abdome. Estima-se que apenas 5 a 10% dos casos de apendicite em crianças tenham indicação indiscutível de tomografia, embora este exame seja solicitado frequentemente em unidades não especializadas em pediatria.

Os exames de imagem não mostram apenas a doença no apêndice: podem também mostrar problemas secundários à afecção do apêndice que sinalizam apendicites mais complicadas, tais como a reunião de alças intestinais em torno do apêndice bloqueando a área de inflamação (isso pode ter sido percebido pelo cirurgião no exame do abdome, e é chamado de “plastrão”), abscessos secundários à ruptura do apêndice, líquido livre dentro da cavidade abdominal sinalizando uma peritonite, que ocorre quando a criança apresenta inflamação e/ou pus em toda a barriga, e é grave, em especial se a criança mostrar sinais clínicos de infecção generalizada ou não controlada (sepse). Esta é uma indicação de cirurgia emergencial, imediatamente após a estabilização clínica.

COMO SABER SE MEU FILHO PRECISA FAZER A CIRURGIA?

A cirurgia estará indicada se:

  1. O médico tiver uma suspeita bem fundamentada para a doença.
  2. Os exames de imagem confirmarem/sugerirem a doença.
  3. A criança estiver apta à anestesia, após estabilização clínica mínima.

QUAIS SÃO AS TÉCNICAS DE CIRURGIA?

Hoje em dia, a maioria dos serviços prefere uma apendicectomia por videolaparoscopia, até nos quadros de peritonite grave, mas isso depende da disponibilidade do material e da equipe habilitada para videocirurgia. A técnica da laparoscopia garante uma visão ampla e geral da cavidade abdominal, que precisaria de uma grande incisão pela técnica aberta, e é uma vantagem em casos complicados. Outra vantagem é um trauma cirúrgico menor. Por outro lado, é necessário reconhecer que a cirurgia aberta também é segura e capaz de resolver a doença a contento. Afinal, foi o padrão de tratamento durante muitos anos.

Outra opção é o tratamento cirúrgico por “cirurgia aberta”. Nos casos simples ou com doença localizada nas proximidades do apêndice em geral é usada uma pequena incisão transversa (horizontal) do lado direito inferior do abdome. Em casos de infecção generalizada pode ser necessária uma incisão mediana (vertical, em geral abaixo do umbigo).

COMO É O PÓS-OPERATÓRIO?

Em casos de apendicite “inicial” (restrita ao apêndice) o paciente costuma receber alta entre um e três dias, se houver ausência de febre e dor e o paciente estiver comendo adequadamente.

Na cirurgia de apendicite complicada por peritonite ou obstrução intestinal a recuperação é mais demorada e exige mais tempo para adequação da alimentação até o completo esvaziamento do liquido do intestino, que gera distensão da barriga e vômito. A recuperação pode variar entre 7 a 20 dias, dependendo do grau de complicação e da reação dos pacientes. Apendicite complicada pode, infelizmente, ser uma doença muito grave, em especial se for acompanhada de sepse.

QUAIS SÃO AS POSSÍVEIS COMPLICAÇÕES APÓS A CIRURGIA?

Os principais riscos são obstrução intestinal, abcesso na ferida da cirurgia e/ou dentro da barriga (“coleção” intra-abdominal). Estes riscos são maiores se o paciente tem uma apendicite complicada e/ou se há um bloqueio intestinal muito intenso em torno do apêndice doente. A expectativa de vida do paciente é normal após a cirurgia.

QUAL É O MOMENTO IDEAL PARA A CIRURGIA?

É uma cirurgia de urgência, mas atualmente, dispondo de antibióticos muito eficientes e bons exames de imagem, somado ao controle clinico adequado, não se tem mais a necessidade de operar a criança que está numa fase inicial numa correria.

Em crianças que têm o diagnóstico feito de madrugada, por exemplo, se não há uma equipe cirúrgica pronta, algumas horas de espera não são um problema e podem ser até uma vantagem, oferecendo uma oportunidade para um preparo adequado da criança e uma boa organização da equipe e do ambiente cirúrgico.

Se o quadro da criança for de uma doença abdominal generalizada ou de uma infecção não controlada, a indicação de cirurgia é uma emergência a ser resolvida imediatamente depois de uma estabilização mínima da criança. A cirurgia de uma apendicite extensamente bloqueada ou com peritonite generalizada é uma cirurgia de grande porte e tem um risco considerável.

EXISTEM ALTERNATIVAS DE TRATAMENTO?

Existem muitos trabalhos científicos que sugerem que tratar apendicite inicial ou efetivamente bloqueada só com antibióticos é bastante razoável, conforme amplamente publicado em mais de mil casos em adultos e crianças. Isso também é possível em casos escolhidos de apendicite avançada com bloqueios efetivos e abscessos bem localizados que podem ser drenados por punção e pode ser, inclusive, vantajoso, no caso de bloqueios intensos que podem exigir manobras cirúrgicas de risco para dissecção.

Mas como é possível escolher que criança deve ser tratada clinicamente?

Os critérios são clínicos e de imagem (principalmente através de tomografia).

A criança precisa estar clinicamente estável 24h após ser instalado o tratamento clinico, melhorando a febre, o hemograma (exame de sangue) e com bom controle da dor.

O tratamento clínico não serve para casos com apendicolito nem liquido livre na cavidade abdominal.

Nos casos de sucesso (que são em torno de ¾ dos casos escolhidos nos critérios que explicamos) a criança pode ter alta para completar o tratamento com antibióticos em casa após estabilização clínica e no exame de sangue. Uma cirurgia posterior para retirar o apêndice e evitar um risco de recorrência da doença é controversa entre os cirurgiões.

QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS CAUSAS DA DOENÇA?

Os principais fatores de risco são as viroses respiratórias (que desencadeiam o inchaço do tecido linfático do intestino, obstruindo o apêndice) e a alimentação aonde há a ingesta de pequenas sementes, que podem obstruir o apêndice. A exposição menor a viroses tem sido indicada como a razão para uma menor incidência de apendicites durante a fase de isolamento social para profilaxia do coronavirus. Vale destacar que apendicite é uma doença sazonal, mais frequente no outono, que também é a época de maior proliferação das viroses respiratórias,

QUAL É A IDADE MAIS AFETADA?

Crianças em idade escolar, entre 4 e 8 anos, são as mais afetadas, junto aos adolescentes.

Na experiência clínica, por exemplo, do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, uma grande emergência pediátrica que serve a uma fração extensa da população do Rio de Janeiro, 90% das emergências cirúrgicas em crianças são apendicites.

As apendicites em crianças menores costumam ter uma apresentação mais grave. Como a doença não é frequente nessa faixa etária há um grau pequeno de suspeição e muitas demoram a ter um diagnóstico, que também é mais difícil em crianças pré-verbais. Os humanos têm um órgão (epiplon) “especializado” em bloquear inflamações dentro da cavidade abdominal. Este órgão é muito pequeno nas crianças menores e não consegue bloquear o processo inflamatório com eficiência e são mais comuns as apendicites com perfurações “livres” e peritonites generalizadas. Crianças muito jovens também não têm uma competência imunológica plenamente desenvolvida e podem ter evolução mais grave.

  • Responsável técnica pela Clínica Só Crianças desde 1995
  • Consultórios no Méier e Barra da Tijuca
  • Médica formada pela Unirio (1981)
  • Residência médica em Cirurgia Pediátrica pelo Hospital do Iaserj (1982-1984 – R1 e R2)
  • Residência médica em Cirurgia Pediátrica no Hospital Municipal Souza Aguiar (1984 – 1987 – R1, R2 e R3)
  • Pós graduada pela PUC – Cirurgia Pediátrica (1982-1984)
  • Pós-graduada em Videolaparoscopia
  • Cirurgiã Pediátrica concursada do Hospital Municipal Souza Aguiar (1987-2018)
  • Cirurgiã Pediátrica do Hospital da Piedade (1988-2006)
  • Assistência, preceptoria de residência médica e chefia de clínica do Hospital Municipal Souza Aguiar (2010 a 2016)
  • Coordenação de Cirurgia Pediátrica do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes (2014 a 2020)
  • Implantação e coordenação do Programa de Residência Médica do Hospital Estadual Adão Pereira Nunes (2018 a 2020)
  • Implantação e coordenação da Liga Acadêmica de Cirurgia Pediátrica da Associação de Cirurgia Pediátrica do Estado do Rio de Janeiro – CIPERJ (2011 a 2019)