fonte: Folha de SP

por Ésper Kallas, médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade

A pandemia de Covid-19 já fez mais de 300 mil vítimas no Brasil e esse número continua subindo, na pior onda desde que o novo coronavírus chegou ao país. Também fez aflorar um enorme contencioso sobre a origem e a disseminação de informações falsas. O debate se elevou às esferas políticas resultando, inclusive, em processos e disputas que contaminaram o público.

Provavelmente o melhor exemplo é o movimento de notícias antivacina, que perseguem a medicina desde seu advento, no fim do século 19. Alguns leitores devem se lembrar de desenhos cômicos do início do século 20, mostrando pessoas vacinadas transformadas em vacas, satirizando o fato de que as primeiras vacinações idealizadas por Edward Jenner usaram estrato viral obtido de vesículas do úbere de vacas. É esta, aliás, a origem da palavra vacina.

Desde então, muitas iniciativas buscam desqualificar as vacinas, sendo notórias as várias propagandas que propalavam os achados de um estudo, publicado em 1988 por Andrew Wakefield, em prestigiada revista internacional. Ele fazia alusão à associação da vacina tríplice viral (contra sarampo, rubéola e caxumba) ao desenvolvimento de autismo em crianças. Entretanto, ele fez isso utilizando dados fraudados, o que, posteriormente, obrigou a revista a retratar-se e retirar a publicação do artigo.

A despeito desse triste exemplo, o movimento antivacina persiste, agora mais eficientemente através das redes sociais. Será possível combater a desinformação, que se equilibra sobre o movediço terreno da liberdade de expressão?

Relatório recente da organização sem fins lucrativos Center for Countering Digital Hate traz dados marcantes: foram contabilizadas 812 mil menções no Facebook e no Twitter entre 1º de fevereiro e 16 março de 2021 com conterúdo antivacina. O mais impressionante, todavia, é que 65% destas menções vêm de 12 perfis. Doze perfis!

O efeito multiplicador desses perfis é devastador, cativando um público já convertido e estimulando-o a atrair a atenção de outras pessoas, geralmente com acesso a limitadas informações ou com predisposição a aceitar argumentações falsas. Mesmo com denúncias de violação aos termos de uso, as plataformas demoram a reagir ou bloquear as notícias falsas.

O mesmo relatório argumenta, entretanto, que a ação contra a desinformação pode ter resultado. Ao identificar e bloquear um pequeno grupo de perfis, responsável pela maioria das notícias falsas, o impacto pode ser minimizado. É possível limitar os danos causados por aqueles 12 perfis —os 12 Cavaleiros do Apocalipse.

A desinformação também se estende à pandemia de Covid-19. Denominado infodemia, o dilúvio de informações falsas em mídias sociais tornou a identificação e o controle dessas notícias ainda mais difícil.

Em pesquisas feitas desde o início da pandemia, já foi constatada a queda na confiança sobre a eficácia das vacinas contra a doença, o que dificulta a adesão às campanhas de vacinação. Da mesma forma, observou-se o aumento do uso de medicamentos de forma inadequada, bem como a adoção de tratamentos inúteis. Como consequência, é mais difícil a adoção de medidas eficazes para prevenir e tratar a doença.

Enquanto as vozes da ciência vêm aprimorando seu linguajar para melhor se comunicar com a comunidade, medidas para identificar e neutralizar as principais fontes de desinformação precisam ser tomadas. Do contrário, a população estará ainda mais à mercê de cavaleiros da destruição.