fonte: O Globo

Após julgar inconstitucional a extensão do período de proteção às patentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira, por 8 votos a 3 derrubar em caráter imediato as patentes de produtos farmacêuticos que já estejam em vigor há mais de 20 anos no país.

Na semana passada, a Corte já havia julgado inconstitucional um mecanismo previsto na legislação de patentes que permitia às empresas prorrogar automaticamente o prazo de proteção aos produtos caso houvesse demora na análise do pedido no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

Os ministros decidiram quando os efeitos desta decisão entram em vigor e para quais setores. Para as 3.435 patentes da área de saúde, a decisão é retroativa, ou seja, não é possível hoje prorrogar o prazo de proteção ao produto depois de completados 20 anos.

Muitos destes medicamentos têm custo alto e o fim do mecanismo, que permite tempo extra de proteção, abrirá espaço para a fabricação de alternativas a custo menor, os chamados genéricos.

A mudança, de acordo com um documento assinado por oito ex-ministros da Saúde (José Serra, José Gomes Temporão, Arthur Chioro, José Saraiva Felipe, Humberto Costa, Alexandre Padilha, Argenor Alvares e Barjas Negri) divulgado há algumas semanas, poderia levar a uma economia de mais de R$ 3 bilhões na compra de remédios pelo SUS.

Remédios para câncer e HIV na lista

A Procuradoria-Geral da República (PGR) moveu a ação no STF em 2016 pedindo a derrocada do dispositivo que permitia estender o prazo de proteção de produtos com o argumento de que ele era inconstitucional. Em média, esse prazo adicional era de três anos e meio no país.

No processo, a PGR menciona 74 medicamentos que se amparavam nessa vigência prorrogada da patente. A lista abrange desde medicamentos usados para HIV, câncer, diabetes, até disfunção erétil e contra o tabagismo.

Toffoli: ‘Situação excepcional’

Em seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli, defendeu a retroatividade para o setor de saúde.

— A situação excepcional caracterizada pela emergência de saúde pública decorrente da Covid-19 elevou dramaticamente a demanda por medicamentos e por equipamentos de saúde de forma global, com a elevação dos ônus financeiros para a administração pública e para o cidadão na aquisição desses itens — disse Toffoli.

O ministro acrescentou ainda que levava em conta o aumento global da demanda por itens de saúde, os gastos públicos e os do cidadão com produtos de saúde, o que tornaria inadiável a retroatividade da decisão para medicamentos e produtos de uso em saúde.

Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio votaram contra a proposta de Dias Toffoli por entender que o dispositivo da lei deveria retroceder para todas as patentes, sem exceções.

Judicialização

A decisão do STF também terá efeitos retroativos nos casos em que já existia judicialização sobre a vigência da patente com o argumento da inconstitucionalidade da extensão. Para isso, é necessário que a ação tenha sido iniciada até 7 de abril deste ano.

Excluindo da conta o setor de saúde, existem 27.203 patentes de outros segmentos, como eletroeletrônica e telecomunicações, cujos efeitos da decisão só valem daqui para a frente. Ou seja, neste universo, os produtos que contam hoje com a proteção por meio do prazo estendido continuarão contando com essa garantia.

A partir da data da publicação da ata do julgamento, porém, nenhuma patente no país poderá ter prazo prorrogado por mais de 20 anos, que é o prazo definido na lei no caso das patentes de invenções.

Apesar da mudança futura, os outros segmentos comemoraram a decisão afirmando que ela traria insegurança jurídica e seria um desincentivo à inovação.

O parágrafo único do artigo 40 da lei de Propriedade Intelectual, derrubado pelo STF, previa que a vigência da patente a partir da concessão pelo INPI não poderia ser inferior a dez anos.

Como o órgão costuma demorar para fazer a análise dos pedidos, a extensão automática era comum e fazia com que um produto continuasse protegido por lei por prazo superior a 20 anos.

Decisão pode tornar medicamentos mais acessíveis

A solução dada pelo STF favoreceu o ponto de vista de grupos farmacêuticos brasileiros, grandes produtores de genéricos e que, agora, poderão lançar no mercado nacional similares das patentes que serão quebradas após a decisão da Corte.

O principal argumento de quem defende a mudança é o barateamento dos custos pagos pelo SUS por medicamentos que tiveram a patente prorrogada com base no dispositivo da lei agora derrubado.

Para Reginaldo Arcuri, presidente-executivo do Farma Brasil, que reúne laboratórios brasileiros como Aché, Eurofarma, EMS e Libbs, a decisão traz benefícios à sociedade porque permite o lançamento de mais medicamentos similares por menor custo.

— A modulação era juridicamente previsível. Sempre que você declara inconstitucionalidade de uma norma ou de parte dela, ela precisa parar de valer imediatamente. Na prática, é o que vai acontecer no setor da saúde. Quem teve os 20 anos de gozo da proteção de patente, já usufruiu o tempo previsto pela lei — disse ele.

Felipe Carvalho, da ONG Médicos Sem Fronteiras no Brasil, também elogiou a decisão da Corte.

“O STF corrige um erro histórico que tornou, nas últimas décadas, o preço dos medicamentos mais alto, por mais tempo, ameaçando a sustentabilidade do sistema de saúde e prejudicando o acesso de milhões de pessoas a medicamentos essenciais”, afirmou em nota.

Um grupo formado por ex-ministros da Saúde e pesquisadores chegou a divulgar um manifesto em que defendia a mudança na lei. O manifesto cita estudo da UFRJ publicado ano passado que analisa o efeito da extensão de patentes em nove medicamentos comprados pelo SUS.

O gasto com a compra dos remédios foi de R$ 10,6 bilhões entre 2014 e 2018, e a economia potencial projetada caso a extensão não existisse seria de R$ 3,9 bilhões.

Redução de empresas

Por outro lado, a medida tomada agora pelo STF contraria a visão de multinacionais farmacêuticas, que defendiam a manutenção da lei com a previsão de extensão automática das patentes, sob o argumento de que a demora do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em analisar os pedidos de registro de patente limitava o direito à propriedade intelectual.

Para o advogado Otto Licks, que argumentou no processo contra a inconstitucionalidade da extensão das patentes, a decisão do Supremo desincentiva o inevstimento em pesquisa e inovação:

— A decisão tem impacto severo no sistema de patentes. O INPI deverá mudar rápida e severamente a forma como trabalha ou haverá judicialização para que as concessões sejam mais rápidas.