fonte: Folha de SP
O sucesso do tratamento oncológico depende diretamente da jornada percorrida pelo paciente desde a suspeita da doença. Embora o Brasil tenha progredido no acesso a medicamentos e tratamentos especializados nos últimos anos, é preciso avançar em relação à trajetória das pessoas com câncer dentro do sistema de saúde.
Essa foi a principal mensagem do painel Labirintos da Saúde: Caminhos do Paciente Oncológico, do 8º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, realizado em formato digital entre os dias 20 e 24 deste mês.
Segundo Paola Torres, médica oncohematologista e presidente do Instituto Roda da Vida, muitos profissionais da atenção básica não entendem os meandros de um sistema fragmentado e não sabem conduzir corretamente um paciente oncológico. Dessa forma, um caminho que já é longo se torna mais demorado, prejudicando a experiência do paciente e os resultados do seu tratamento.
Dados do Ministério da Saúde mostram, por exemplo, que o início do tratamento de mulheres com câncer de mama, entre 2013 e 2018, ocorreu em média 122 dias depois de uma biópsia extra-hospitalar. Uma realidade muito distante do prazo de 60 dias definido por lei, que foi respeitado em apenas 36% dos casos.
Nesse sentido, algumas iniciativas ao redor do país têm buscado reduzir o tempo de espera entre a suspeita e o diagnóstico do câncer, assim como o intervalo entre o diagnóstico e o início do tratamento. Duas delas tiveram seus resultados apresentados no painel.
Em Fortaleza, o Programa de Navegação de Pacientes atribuiu a assistentes sociais, chamadas navegadoras, a responsabilidade de guiar mulheres com suspeita ou diagnóstico de câncer de mama pelo serviço público de saúde ao longo das diferentes etapas do tratamento.
O objetivo principal é, segundo Daniele Castelo Branco, gestora da Associação Nossa Casa de Apoio a Pessoas com Câncer, garantir o diagnóstico de mulheres com suspeita em até 30 dias e o início do tratamento de casos confirmados em no máximo 60 dias.
A despeito dos impactos da pandemia sobre o SUS (Sistema Único de Saúde), os resultados alcançados foram expressivos. Entre agosto de 2020 e agosto de 2021, o intervalo entre a consulta com o especialista e o diagnóstico foi menor que 30 dias para 84% das 184 mulheres que participaram do programa. Já o início do tratamento se deu em menos de 60 dias para 81% daquelas que tiveram um diagnóstico positivo.
Para Castelo Branco, o programa demonstrou a importância da criação de um fluxo dentro do serviço de saúde que possibilite diminuir as barreiras para um tratamento completo em tempo hábil. ”As mulheres que participaram tiveram um suporte contínuo e voltaram mais cedo para os médicos depois da realização dos exames”, diz.
Sandra Gioia, coordenadora do Programa de Navegação de Pacientes com Câncer de Mama da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, apresentou resultados e comentou experiência semelhante conduzida no estado.
Na esteira de um projeto piloto feito em 2017, o Rio de Janeiro partiu de um patamar especialmente baixo de cumprimento da lei dos 60 dias, de 10% entre 2013 e 2018, para 27%, em 2019, e 85%, em 2020. Neste ano, a média para o início do tratamento foi de 38 dias depois do diagnóstico.
Mas ainda há diversas barreiras entre as pacientes e o sistema de saúde —desde problemas financeiros para acompanhar o tratamento até a dificuldade de comunicação com a equipe médica e a falta de preparo dos profissionais.
Experiências como a do Rio de Janeiro mostram, porém, que intervenções simples e direcionadas contribuem para a superação de barreiras em boa medida ligadas à ausência de articulação do sistema de saúde, afirma Gioia.
Para a coordenadora do grupo de doenças crônicas do estado de São Paulo, a médica Sônia Freire, deve haver um controle de que o paciente está sendo guiado em cada passo do tratamento. “Se não houver uma rede com regulação apropriada, o acesso a ela é muito prejudicado. Não deve caber ao paciente buscar o tratamento na porta do servidor. A partir do momento em que teve o diagnóstico, ele deve ser acompanhado por um serviço de alta complexidade.”
Não adianta, segundo Torres, oferecer ao paciente um manual e esperar que ele entenda em que etapa está do tratamento e o que deve fazer em seguida. É necessário que haja um agente de saúde perto dele para orientá-lo sobre o caminho que irá percorrer. “O grande desafio é a educação dos pacientes e dos profissionais de saúde.”