fonte: O Globo

A redução nos atendimentos e internações por Covid-19, consequência do avanço da vacinação, merece ser festejada, mas não por muito tempo. Outros desafios aguardam quem encara as filas da rede pública de Saúde. Aposentado, Valter Gonçalves, de 52 anos, enfrenta dificuldades para ir ao banheiro há meses, por conta das dores de uma hérnia próxima à virilha. Encaminhada através de uma clínica da família para o Sistema de Regulação do Rio (Sisreg), que registra o paciente na fila de espera para consultas, exames e procedimentos, a dor de Gonçalves mistura-se à de mais de oito mil pessoas que aguardam atendimento em casos semelhantes. No total, 141 mil pacientes esperam a vez de cuidar dos seus problemas de saúde no sistema municipal.

Procedimentos, consultas e exames simples são responsabilidade dos municípios. Casos mais complexos, a exemplo de cirurgias oncológicas, vão para outra lista, a do Sistema Estadual de Regulação (SER), que hoje tem espera de 34 mil pessoas. Os sistemas de regulação priorizam atendimentos urgentes, mas seu bom funcionamento esbarra na quantidade de vagas disponíveis nos hospitais e clínicas do SUS, municipais, estaduais ou federais.

Números do Portal de Transparência da prefeitura do Rio mostram que o tempo médio de espera é de 60 dias para consultas e 38 dias para exames, de acordo com dados da primeira semana de outubro. Em alguns casos, no entanto, a demora pode chegar a mais de três anos: quem busca consulta oftalmológica de avaliação das pálpebras aguarda hoje, em média, 1.132 dias.

Em números absolutos, o maior gargalo está nas consultas ortopédicas. Há mais de 11 mil pessoas aguardando atendimento. Outras oito mil pleiteiam uma intervenção na vesícula e igual número de pacientes aguarda soluções cirúrgicas para problemas de hérnia. Essa última lista, desde o início do ano, ganhou quase dois mil novos pacientes esperando ser regulados pelo Sisreg.

Valter Gonçalves conta que, assim que sentiu as primeiras dores da suspeita de hérnia, resolveu procurar a Clínica da Família Rômulo Carlos Teixeira, em Realengo, na Zona Oeste do Rio. O problema foi constatado e o encaminhamento ao Sisreg foi realizado no dia 12 de novembro do ano passado. Desde então, ele vive na expectativa:

— Eu não tenho como pagar atendimento particular. Fui em um hospital próximo de onde moro que cobrou valor em torno de R$ 10 mil para fazer a cirurgia.

A angústia de quem se demora na lista só perde para a dos que somem dela. Pelas contas da auxiliar de serviços gerais Aline Cristine Domingos, de 36 anos, ela estaria completando seu terceiro aniversário na fila do Sistema de Regulação, à espera de uma vaga para cirurgia bariátrica. O problema é que, em abril, durante uma passagem pela Clínica da Família Fain Pedro, em Realengo, Aline descobriu que seu nome havia desaparecido da fila sem nenhuma explicação. Ela ainda não tem respostas:

— Eu só fui descobrir que meu nome não estava mais na lista porque perguntei. Caso contrário, não saberia até hoje. Não fui avisada.

Verônica Moreira, de 48 anos, está entre os oito mil candidatos a uma operação na vesícula. Ela foi diagnosticada em agosto de 2019, durante consulta no Instituto Nacional do Câncer (Inca). Médicos da unidade a encaminharam para uma clínica da família, a porta de entrada na fila do Sisreg. O tratamento parou neste ponto.

— Eu já tinha até desistido do atendimento, sinceramente. Não consigo nem ver minha posição quando entro no site. O negócio é evitar aquilo que você sabe que faz mal para a vesícula e esperar que não se rompa, o que pode dar em uma infecção generalizada e me matar — resume Verônica.

Secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz alega que em 2021 o tempo de espera por procedimentos como catarata e tomografia diminuiu. Ele também lembra que, no ano que vem, a prefeitura do Rio deverá aplicar R$ 1,1 bilhão oriundos do leilão da Cedae para, em até 18 meses, zerar a fila de espera.

Questionado sobre a demora para algumas consultas, como a de pálpebras, o secretário ainda diz que a prefeitura está em fase de finalização de preparação de licitações que, somadas, chegam a R$ 600 milhões, para a contratação de serviços médicos em 2022:

— O que pode ser feito é contratar mais serviços para ofertar mais. Com o novo orçamento, que chega a 21% do total do município no ano que vem, vamos montar um serviço próprio de oftalmologia. A saúde foi perdendo recursos nos últimos anos, mas já conseguimos recompor três mil profissionais de saúde. Apenas esse ano regulamos 629 mil pacientes.

Uma fila depois da fila

Resolver a fila do Sisreg é urgente, mas o sistema abarca apenas os procedimentos para a primeira consulta. Caso o médico avalie que uma operação é necessária, o paciente é encaminhado para outra fila interna da própria unidade hospitalar.

Daniel Soranz explica que, em todas as unidades da rede pública do Rio, há 48 mil pacientes nas filas internas aguardando cirurgia. Somente no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (INTO), administrado pelo Ministério da Saúde, há 8,4 mil pessoas à espera de operação. Soranz credita o alto número de pacientes à suspensão dos procedimentos eletivos durante a pandemia:

— O ideal é não ter fila interna, que só ofereça vagas para intervenções realizadas em um período de 6 meses. Esse é um desafio que as unidades terão que superar para o primeiro semestre de 2022. Muitas doenças foram negligenciadas nesse período de pandemia.

Para o vereador Paulo Pinheiro (PSOL), presidente da Comissão de Saúde da Câmara do Rio, é necessário saber investir o dinheiro oriundo do leilão da Cedae. Ele também cobra do Ministério da Saúde a reabertura de leitos fechados nos últimos meses, que ajudariam a melhorar a fila, principalmente para cirurgias de alta complexidade:

— É necessário ampliar a capacidade de produção de exames, com melhora e ampliação das policlínicas. O R$ 1 bilhão da Cedae ajuda a resolver o problema, mas a resolução é complexa.

Procurado, o Ministério da Saúde diz que “o plano de contratação temporária dos profissionais de saúde para os hospitais federais está em fase de finalização e publicação de edital.”

Sobre a situação dos pacientes que aguardam na fila do Sisreg, a SMS diz, a respeito de Valter Gonçalves e Verônica Moreira, que os cadastros foram atualizados recentemente pelas respectivas unidades de Atenção Primária e seguem em espera, mas não informou sobre a posição dos citados e previsão de encaminhamento.

Já sobre a cirurgia bariátrica de Aline, a SMS afirmou que o pedido deve ser feito pela Central Estadual de Regulação, do estado. A Secretaria de Estado de Saúde, por sua vez, diz que a paciente Aline Cristine foi incluída na fila na tarde da última terça-feira, por meio do Sistema Estadual de Regulação (SER), pela Clínica da Família Faim Jose Pedro.