fonte: MedScape
Um ensaio clínico randomizado feito com pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de urgência avaliou o diagnóstico remoto de infecção do sítio cirúrgico via smartphone. Os resultados mostram que este pode ser um recurso seguro, eficaz e satisfatório para os pacientes.
Do início da pandemia de covid-19 para cá, ocorreram importantes mudanças na forma como o atendimento pós-cirúrgico é realizado, observou Kenneth McLean, University of Edinburgh, na Escócia, em um comunicado à imprensa.
“Os pacientes e a equipe se acostumaram às consultas remotas, e mostramos que podemos monitorar as feridas operatórias com segurança e eficácia, enquanto os pacientes se recuperam em casa – é provável que este se torne o novo normal”, acrescentou.
“A recuperação pode ser um momento de ansiedade para todos e essas estratégias são tranquilizadoras”, segundo o autor sênior do estudo, Dr. Ewen Harrison, Ph.D., professor de cirurgia e ciência de dados também na University of Edinburgh acrescentou na mesma declaração.
“Esperamos que detectar precocemente os problemas das feridas operatórias possa resultar em tratamentos que limitem as complicações”, destacou.
O estudo foi publicado on-line em 18 de novembro de 2021, no periódico npj Digital Medicine.
Estudo TWIST
No total, 492 pacientes foram inscritos no ensaio TWIST, a maioria dos quais foi submetida a procedimentos cirúrgicos de grande porte – quase três quartos por laparoscopia. Os participantes foram randomizados para acompanhamento remoto via smartphone (223 pacientes) ou acompanhamento padrão (269 pacientes). Os pacientes no grupo do acompanhamento via smartphone foram contatados no 3º, 7º e 15º dias após a cirurgia e orientados a acessar um website, no qual deveriam responder perguntas sobre a ferida cirúrgica e eventuais sintomas sendo apresentados.
Os pacientes no grupo do acompanhamento padrão apenas foram contatados 30 dias após a cirurgia para avaliar se haviam sido diagnosticados com infecção ou não. “No total, 8,3% da coorte apresentou infecção do sítio cirúrgico no período pós-operatório de 30 dias, sem diferença significativa na taxa de infecções entre os braços do estudo”, relataram os pesquisadores: 9,4% no braço do acompanhamento via smartphone e 7,4% no braço do acompanhamento padrão (P = 0,513).Caso apresentassem sintomas, os pacientes eram solicitados a tirar uma foto da ferida e enviá-la em um site seguro. Um membro da equipe de cirurgia então avaliaria as fotos junto com as respostas do paciente em busca de sinais de infecção. Os pacientes foram acompanhados por 30 dias após a cirurgia para documentar se posteriormente tiveram diagnóstico de infecção de sítio cirúrgico.
O tempo médio até o diagnóstico de infecção do sítio cirúrgico (desfecho primário do estudo) foi numericamente menor no grupo do acompanhamento do que no grupo do acompanhamento padrão: via smartphone 9,3 dias versus 11,8 dias. Novamente, essa diferença não foi estatisticamente significativa. Por outro lado, uma análise post-hoc mostrou que os pacientes que usaram um smartphone tiveram probabilidade quase quatro vezes maior de ter a infecção do sítio cirúrgico diagnosticada nos primeiros sete dias de pós-operatório, com uma razão de chances (RC) de 3,7 (intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,02 a 13,51; P = 0,043).
“As infecções da ferida cirúrgica geralmente pioram com o tempo e podem se disseminar para a corrente sanguínea ou mais profundamente no abdome se não forem tratadas”, explicou Kenneth em um e-mail para o Medscape.
“Portanto, se pudermos diagnosticá-las antes que se tornem mais evidentes, podemos potencialmente evitar complicações mais graves e a necessidade de novas internações”. A ferramenta de avaliação de feridas também teve um alto valor preditivo negativo, “o que significa que uma infecção do sítio cirúrgico pode ser descartada com confiança”, enfatizaram os autores.
De fato, dentre os pacientes que receberam diagnóstico de infecção do sítio cirúrgico no grupo do acompanhamento via smartphone, mais de um terço havia usado a ferramenta 48 horas antes do diagnóstico (cinco foram diagnosticados no mesmo dia), e todos os diagnósticos de infecção foram baseados nos sintomas relatados pelo paciente. “A incorporação de imagens das feridas resultou em melhora significativa da especificidade, de 84,4% (IC 95% de 80,5 a 88,3%) para 93,6% (IC 95% de 90,9 a 96,2%)”, acrescentaram os pesquisadores.
Os pesquisadores também compararam o uso de serviços de saúde entre os dois grupos de tratamento. No total, 14,3% do grupo do acompanhamento via smartphone entraram em contato com um serviço de saúde – comunitário ou hospitalar – para falar sobre a ferida, em comparação com 22,3% dos pacientes no grupo do acompanhamento padrão. A necessidade de atendimento em serviço comunitário foi 43% menor no grupo do acompanhamento via smartphone (RC de 0,57; IC 95%, de 0,34 a 0,94; P = 0,577), embora a necessidade de atendimento no serviço de emergência tenha sido semelhante à do grupo do atendimento padrão.
E, em relação à experiência do paciente, aqueles no grupo do acompanhamento via smartphone relataram experiências significativamente mais positivas em todos os aspectos avaliados em 30 dias, incluindo acesso a cuidados, facilidade de acesso a orientações e qualidade das informações recebidas.
Alguns não usaram a ferramenta
Os autores reconheceram que cerca de um terço das pessoas designadas para o acompanhamento via smartphone não utilizaram a ferramenta. No entanto, como Kenneth apontou, sempre haverá uma parcela de pacientes que provavelmente não usará um serviço se o achar desnecessário – se a ferida estiver cicatrizando bem, por exemplo; então, por que se preocupar? “De forma tranquilizadora”, acrescentou ele, “não havia evidências de que pacientes idosos, por exemplo, tenham tido menor probabilidade de usar a ferramenta”, disse ele.
Os autores também apontaram que existem aplicações mais amplas para o uso do smartphones na prestação de serviços de saúde. Por exemplo, a estratégia de acompanhamento remoto pode ser expandida para abranger outras potenciais complicações após a cirurgia. Também pode ser usada para monitorar feridas crônicas, como úlceras diabéticas, ou outras doenças crônicas como asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica.
“Demora para ter acesso ao atendimento de emergência adequado, bem como atendimentos de saúde desnecessários, podem ser deletérios aos pacientes e sobrecarregar ainda mais os serviços de saúde”, disse Kenneth.
“Ao aumentar o acesso dos pacientes às orientações, eles têm maior probabilidade de receber o tratamento certo no momento certo, e mais trabalhos estão em andamento para explorar como pode ser adaptado para tornar o cuidado o mais acessível e inclusivo possível”, acrescentou.
Adoção rápida
Questionado sobre os achados, o Dr. Josh Totty, médico e professor de cirurgia plástica, Hull York Medical School, no Reino Unido, observou que a forma como a tecnologia é usada mudou significativamente nos últimos dois anos.
“A rápida adoção de tecnologia na área de saúde, usando computadores poderosos aos quais a maioria das pessoas tem acesso em seus bolsos, significou que os pacientes e médicos puderam ser mantidos em segurança e os riscos reduzidos, a produtividade aumentou e os pacientes têm acesso mais fácil a seus médicos”, ele disse ao Medscape por e-mail.
À medida que saímos da pandemia, acrescentou o Dr. Josh, “estamos constantemente procurando maneiras de melhorar o atendimento que sejam aceitáveis para os pacientes”, disse ele.
“E este estudo mostra que os smartphones podem ajudar a diagnosticar infecções significativas no início do processo da doença. Por sua vez, o tratamento precoce pode levar a melhores resultados e menos morbidade como resultado”, acrescentou. Ele também disse que o estudo era importante e bem desenhado e acrescenta evidências que sugerem que os smartphones têm um papel crucial na forma como os pacientes acessam os serviços de saúde.
E enfatizou: “Agora é preciso trabalhar para garantir que todos, jovens e idosos, ricos ou pobres, tenham acesso a essa tecnologia”.
Npj Digital Med. Publicado on-line em 18 de novembro de 2021. Texto completo