fonte: MedScape

Resultados de estudo que comparou conteúdos de marketing postados em contas oficiais do McDonald’s no Instagram indicam que, nos países de média e baixa renda, as propagandas e campanhas promocionais da empresa são desproporcionalmente orientadas para o público infantil.

Os achados foram publicados em 2021 no periódico BMJ Nutrition, Prevention & Health.

CONFIRA O ESTUDO

O estudo coletou informações entre setembro de 2019 e abril de 2020 de contas oficiais do McDonald’s no Instagram em 15 dos mais de 100 países em que a empresa tem franquias. Os pesquisadores justificaram a escolha do McDonald’s por ser a maior cadeia de fast-food do mundo e do Instagram por ser uma das plataformas de mídias sociais mais populares entre adolescentes e adultos jovens, com cerca de um bilhão de usuários ativos por mês.

“Esse alcance [de marketing] é preocupante devido ao aumento do risco de problemas de saúde relacionados à alimentação, inclusive de doenças cardiovasculares, nessas regiões”, concluíram os pesquisadores.

Os pesquisadores identificaram contas oficiais da marca em 68 países; destas, 15 foram selecionadas para a análise. Em caso de mais de uma conta oficial, eles selecionaram a com o maior número de seguidores. Confira os países avaliados e a respectiva renda, de acordo com a classificação de 2019 do Banco Mundial:

  • Alta renda: Estados Unidos, Austrália, Canadá, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos, Portugal e Panamá;
  • Média renda: Romênia, Líbano, Malásia, Brasil e África do Sul; e
  • Baixa renda: Indonésia, Egito e Índia.

Juntas, as contas avaliadas somaram 10 milhões de seguidores no período do estudo. Entre as contas oficiais dos países de alta renda, a com o maior número de seguidores (3,7 milhões) foi a dos Estados Unidos. Entre as contas dos países de média renda, a do Brasil ficou em primeiro lugar (2,6 milhões); e a da Indonésia liderou o grupo de países de baixa renda (1,1 milhão).

Para avaliar o conteúdo de marketing das postagens, os autores observaram as seguintes variáveis:

  1. exibição de comida ou bebida;
  2. influenciadores/celebridades/patrocinadores;
  3. hábitos saudáveis (p. ex.: substituição de batatas fritas por maçãs);
  4. direcionamento ao público infantil (p. ex.: foto de crianças ou adolescentes);
  5. campanhas promocionais;
  6. promoção do aplicativo, site ou serviço de entrega do McDonald’s;
  7. oferta de brindes ou cupons gratuitos;
  8. elementos com relevância cultural (p. ex.: símbolos religiosos);
  9. engajamento (p. ex.: incentivo a curtidas, comentários ou leitura da bio);
  10. filantropia/caridade;
  11. apelo emocional;
  12. abertura de nova filial (i.e.: promoção de uma unidade recém-inaugurada); e
  13. humor (p. ex.: uso de memes).

Foram identificadas, em média, 153,7% postagens a mais nas contas dos países de média e baixa renda, com um aumento desproporcional de conteúdos de marketing diretamente direcionados ao público infantil, em comparação com as contas dos países de alta renda, nas quais foram encontradas mais publicações promovendo hábitos saudáveis.

“Este estudo ilustra o que temos visto: a indústria tem compromisso prioritário com seu faturamento, a não ser em países onde o engajamento da sociedade organizada, com o respaldo das sociedades científicas, tem ação forte e coercitiva”, afirmou o endocrinologista Dr. Ricardo Fernando Arrais, membro do Departamento Científico de Endocrinologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em parceria com o programa Criança e Consumo do Instituto Alana, em 2009, já havia apontado o problema. A pesquisa analisou campanhas publicitárias televisivas e on-line de 12 multinacionais, entre elas, o McDonald’s, e a composição nutricional de 18 produtos anunciados nessas campanhas. As 12 empresas incluídas no levantamento haviam firmado compromisso de autorregulação com a União Europeia, os Estados Unidos e a Organização Mundial da Saúde (OMS), no qual afirmaram que não direcionariam seus esforços de propaganda e marketing a menores de 12 anos de idade; destas, 11 não cumpriram no Brasil as regras que se comprometeram a seguir em outros países.

“Autorregulação é insuficiente. É preciso fiscalização, debate público e pressão regulatória”, argumentou o Dr. João Francisco de Aguiar Coelho, advogado do programa Criança e Consumo. O Instituto Alana já entrou com mais de uma ação jurídica contra empresas multinacionais de alimentos devido a propagandas dirigidas ao público infantil no Brasil que associavam a venda dos alimentos a brinquedos ou personagens infantis. “O impacto na saúde tangencia todas as nossas ações e a internet traz novos desafios de regulação”, acrescentou.

O Dr. Ricardo ressaltou que a obesidade infantil é apenas uma das consequências. “A exposição de crianças, principalmente as mais jovens, a fast-food, embutidos, multiprocessados, frituras e refrigerantes aumenta a chance de desenvolverem doenças graves, como hipertensão e diabetes mellitus tipo 2”, alertou.

Segundo o endocrinologista, a preocupação dos profissionais de saúde se intensificou durante a pandemia de covid-19, quando, devido ao isolamento social, as crianças fizeram menos atividades físicas, ingeriram mais produtos não saudáveis e usaram mais as redes sociais. “A revisão de literatura indica que, sem a colaboração das indústrias de alimentos, dos gestores e de políticas públicas, inclusive para assegurar espaços públicos adequados para atividades físicas, vamos perder essa guerra”, disse o Dr. Ricardo.

A SBP tem publicado manuais de orientação sobre obesidade na infância e adolescência, e participa de ações junto às demais sociedades científicas para fazer frente a esta situação. Por exemplo, com campanhas pela continuidade das aulas de educação física nas escolas e para que sejam colocados alertas nos rótulos de alimentos sobre os riscos do uso excessivo de açúcar.

Estas são demandas também do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que recomendou no estudo “Alimentação na Primeira Infância: conhecimentos, atitudes e práticas de beneficiários do Bolsa Família” a regulação das propagandas de alimentos para crianças e a tributação de bebidas adoçadas com açúcar. O Unicef enfatiza a urgência de aplicar as novas regras de rotulagem nutricional frontal de alimentos embalados aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 07 de outubro de 2020, que deve iniciar em outubro de 2022.

Para o Dr. Ricardo, quanto mais cedo houver uma intervenção, menos tempo de as crianças adquirirem maus hábitos alimentares. Nos consultórios, o médico sugere que os profissionais de saúde façam uma abordagem familiar, em vez de focar apenas no excesso de peso da criança, de forma a promover o comprometimento de todos no controle da alimentação e no incentivo à prática de atividades físicas. De preferência, com auxílio multiprofissional, incluindo psicológico. “A obesidade não deve ser minimizada como apenas uma questão estética. Nossa preocupação é metabólica; essa doença é um gatilho para outras doenças”, observou.