fonte: Folha de SP

O câncer infantojuvenil tem como principal causa mutações genéticas nas células que podem levar ao aparecimento de tumores em diferentes tipos de tecidos e órgãos. Essas mutações podem ocorrer durante o desenvolvimento do embrião, de forma aleatória.

São poucos os tipos de câncer infantis que são hereditários —cerca de 10%. Nesses, uma mutação presente em um dos pais biológicos pode levar a um risco aumentado de desenvolver câncer nos filhos.

Em ambos os casos, identificar os principais genes associados aos diferentes tipos de câncer infantil pode ajudar a diagnosticar precocemente o desenvolvimento de tumores sólidos e a desenvolver tratamentos personalizados para cada paciente.

O Hospital Infantil St. Jude’s, nos Estados Unidos, criou em 2010 um programa para mapear o genoma dos principais tipos de câncer infantil no mundo. O banco de dados, disponível gratuitamente na nuvem, contém informações de mais de 10 mil pacientes, com mais de 12 mil sequências de genoma completo.

No Brasil, o Hospital do Câncer de Barretos, no interior de São Paulo, é um dos parceiros do St. Jude’s no programa. Segundo o oncopediatra e diretor da unidade infantojuvenil, Luiz Fernando Lopes, cem crianças atendidas na instituição brasileira terão o seu genoma completo sequenciado no hospital americano, para inclusão nesse banco de dados.

A importância de ter um banco de dados como esse, diz, é coletar dados epidemiológicos, clínicos e moleculares de todos os tumores das crianças que são atendidas no hospital de Barretos e em seus 12 parceiros no Brasil. O teste genético nas crianças é ofertado gratuitamente no hospital.

O centro já conta com dois painéis de mapeamento genético dos principais tipos de leucemia linfoide e mieloide, que são muito comuns em crianças. “Todas as crianças atendidas a partir de 1º de janeiro deste ano vão ter seus dados epidemiológicos inseridos no banco único e, no futuro, também genéticos”, explica.

O hospital A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, já possui um painel com 126 genes que podem estar associados a maior risco de câncer nas células germinativas —como mamas, ovários, região colorretal, entre outros.

Dentre esses genes, os cientistas do Cipe (Centro Internacional de Pesquisa) da entidade identificaram mutações potencialmente ligadas ao tumor de Wilms (ou nefroblastoma, tumor nos rins), cuja incidência é de uma a cada 10 mil crianças, a maioria na faixa etária de 2 a 5 anos, explica a pesquisadora Dirce Maria Carraro, que coordenou o estudo.

Segundo ela, o grupo também desenvolve pesquisas em biópsia liquida para avaliar fragmentos de DNA do tumor dispersos na circulação. Essa técnica pouco invasiva e bastante precisa pode auxiliar o diagnóstico e a identificação de pacientes que precisam de tratamentos menos agressivos.

De acordo com dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer), no triênio de 2020–2022, serão diagnosticados 8.460 novos casos de câncer infantojuvenis a cada ano. Em geral, os casos de câncer infantis correspondem a 2% do total na população.

Um estudo publicado em julho de 2021 na revista Genetics in Medicine avaliou a eficácia de rastreamento por marcadores genéticos para câncer em recém-nascidos nos EUA. A pesquisa verificou que, para um total de 3,7 milhões de recém-nascidos, 1.803 desenvolveram alguma síndrome de predisposição para câncer até os 20 anos de idade, e a identificação precoce reduziu o risco de morte em 7,8%.

Porém, o consenso científico ainda não é totalmente a favor da realização de rastreamentos aleatórios na população pediátrica, como é feito em adultos para cânceres de mama, próstata ou ovários.

“Hoje um grande desafio é conseguir trazer essas ferramentas moleculares para o dia a dia, porque há uma disparidade muito grande das instituições a nível nacional. Então o conhecimento gerado pode ajudar no desenvolvimento de novas drogas, mas esse é o futuro, não o presente”, pondera Sima Ferman, chefe do serviço de oncologia pediátrica do Inca.

No Hospital Israelita Albert Einstein, também são feitos testes genéticos nos pacientes pediátricos tratados no centro de oncologia para identificar possíveis mutações.

“Mas há alguns marcadores que são encontrados muito raramente, temos muitos tipos já conhecidos da literatura [de mutações] que procuramos em um sem fim de pacientes e nunca encontramos”, explica Vicente Odone Filho​, onco-hematologista pediátrico do hospital.

Por isso, nem sempre fazer uma busca por todos os tipos de mutações conhecidas nos pacientes oncológicos infantis é adequada, visto o custo elevado de testes do tipo e a chance limitada de encontrar os marcadores.

“No Einstein nós temos um amplo acesso, mas infelizmente a disponibilidade desses testes no âmbito do SUS é limitada”, diz Odone Filho.

Segundo Ferman, à medida que as pesquisas avançam, o foco deve ser posto na qualidade de vida do paciente. As terapias convencionais, como radioterapia e quimioterapia, diz, ainda são as mais usadas, principalmente devido às melhorias que ocorreram nos últimos 30 anos em relação à dosagem e ao controle da toxicidade.

“A taxa de cura atualmente nos países ricos de câncer infantil é em torno de 85%. No Brasil, nós temos algumas regiões com índices muito próximos ao de países desenvolvidos, mas a média nacional é de 65%.”