fonte: O Globo
O Ministério da Saúde prepara a criação de uma espécie de portal da transparência para que empresas farmacêuticas divulguem pagamentos e benefícios superiores a R$ 20 mil para médicos e associações. O objetivo é dar maior publicidade na relação entre profissionais da área e fabricantes, expondo aos pacientes eventuais conflitos de interesse na prescrição de produtos.
A proposta da Saúde é que o novo mecanismo seja criado por meio de uma medida provisória (MP), cuja minuta está em análise pelo Palácio do Planalto. Segundo o texto em discussão, as empresas teriam que informar pagamentos a médicos e associações que superarem R$ 20 mil no período de um ano. Além de prestar as informações no portal, que seria administrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as fabricantes do setor também teriam de divulgar esses dados em seu site.
O texto da MP, que ainda pode sofrer alterações, também proíbe as empresas de darem incentivos sob a condição de que determinados medicamentos sejam prescritos aos pacientes. O descumprimento dessa regra tornaria a farmacêutica sujeita a punições previstas em uma lei de 1977, que prevê desde multa até o cancelamento de autorização para funcionamento da empresa. Uma versão anterior da MP determinava que a Controladoria-Geral da União (CGU) participaria da fiscalização, mas essa ideia foi retirada do documento.
Segundo a proposta da Saúde, deverão se submeter ao novo procedimento fabricantes, fornecedores, importadores e distribuidores de medicamentos e equipamentos hospitalares.
O objetivo da MP é criar regras semelhantes ao chamado Sunshine Act, dos Estados Unidos, que determina a divulgação de dados que possam gerar conflitos de interesse por profissionais da saúde. Pela norma americana, as farmacêuticas precisam divulgar pagamentos de gastos com profissionais como transporte, alimentação e hospedagem para eventos.
No Brasil, já há uma legislação semelhante em Minas Gerais, que ganhou o nome de DeclaraSus. Criado em 2018, o portal segue no ar, mas está sem atualizações recentes. A última publicação ocorreu em 2021.
Além disso, há ao menos quatro projetos que tramitam na Câmara desde 2017 — e foram reunidos em uma única proposta, que aguarda desde 2019 um parecer na Comissão de Seguridade Social e Família, uma fase inicial da análise pelos deputados.
A Associação Médica Brasileira (AMB) apoia a iniciativa do Ministério da Saúde de preparar uma Medida Provisória para dar mais transparência à relação de médicos com empresas farmacêuticas. Em entrevista ao GLOBO, o porta-voz da entidade, Eduardo Fernandes, disse que acredita que uma maior regulamentação do setor seria benéfica, em especial para o paciente.
— Ainda precisamos ter conhecimento do teor da MP para ter essa apreciação, mas eu digo em meu nome, e tenho a impressão que a AMB irá se posicionar dessa forma também, que isso é bem-vindo. Transparência é sempre importante. Ninguém pode receber nenhuma benesse, nenhum favorecimento de qualquer agente público ou privado dentro do exercício da nossa profissão, que tem que caminhar com absoluta isenção — afirmou o presidente da AMB.
No Brasil, o Código de Ética Médica, regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) de medicina possui regras para coibir conflitos de interesse entre médico e farmacêuticas. Entretanto, segundo Marun David Cury, diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina (APM), “as pessoas fazem vista grossa” em especial para produtos de alto custo como medicamentos, órteses e próteses.
— A regulamentação inibe fraude e a indução de medicação, principalmente de alto custo, off label e também de órteses e próteses, que tem verdadeiras quadrilhas. Eu vejo com bons olhos essa MP porque se o indivíduo tiver algum vínculo com aquele segmento, isso estará declarado — afirmou Cury.
Para que a proposta do Ministério da Saúde saia do papel é preciso que o governo comprove que a Medida Provisória é um caso de “relevância e urgência”, conforme determina a Constituição Federal. Essa tem sido a dificuldade do governo para colocar a nova regra em prática.
O presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, disse que esse tipo de regulamentação não deveria ser feito por meio de Medida Provisória.
— Nós não vemos isso [a MP] com preocupação e achamos que toda discussão é positiva. O que nos chama a atenção é que isso seja feito por meio de uma MP. Nós sabemos que as medidas provisórias são para casos urgentes e não entendemos que esse seria um caso urgente no nosso país. Nós temos outras questões extremamente relevantes na área de saúde, que seriam urgentes, como a falta de medicamentos por total incompatibilidade do preço de produção com o preço fixado pela CMED. Eventualmente, se há necessidade de discutir esse assunto, isso poderia ser feito em um processo de lei no executivo — afirmou Mussolini.