fonte: O Globo

por Josier Vilar, médico e presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ)

Nos últimos dias, vem sendo noticiado que o governo federal decretará estado de emergência para resolver a crise da rede hospitalar federal no Rio. Nada mais equivocado. Não existe crise nem rede hospitalar federal no Rio. Crise significa um problema agudo, acidente repentino, colapso ou declínio súbito. Não é o caso dos hospitais federais do Rio — Ipanema, Lagoa, Andaraí, Cardoso Fontes, Servidores e Bonsucesso. Nesses, existe uma longa, progressiva e leniente destruição de um dos maiores patrimônios da saúde brasileira.

O recém-lançado livro “SUS: uma biografia”, de Luiz Antonio Santini e Clóvis Bulcão, mostra o declínio dessa estrutura hospitalar e como ela foi sendo progressivamente desorganizada e sucateada em razão de disputas políticas. Apresenta com muita profundidade como foi a incorporação ao SUS desses hospitais, criados para atender diversas categorias profissionais e que, durante muitos anos, foram fonte de conhecimento, de qualidade assistencial e de formação profissional de referência nacional.

Médicos como Stanislaw Kaplan, José Hilário, Amarino de Oliveira, Fernando Paulino, Fernando Barroso, Nildo Aguiar, Aloisio Sales da Fonseca, Mario Kroeff, Theobaldo Vianna, Vera Cordeiro, Pedro Abdalla e tantos outros foram referências inspiradoras para inúmeras gerações que lhes sucederam.

Entretanto, nas últimas décadas, o que se convencionou chamar equivocadamente de rede federal vem progressivamente perdendo sua relevância em virtude de sucateamento tecnológico, subfinanciamento, inexistência de investimentos para sua modernização e inadaptabilidade arquitetônica de alguns desses hospitais às atuais exigências sanitárias.

Aquilo que chamam de rede é um aglomerado de hospitais, sem qualquer integração entre si, sem modelo de governança e gestão focada no desenvolvimento de métricas e metas, sem programa de qualificação profissional ou identidade própria. Como chamar de rede um conjunto de instituições que não estão integradas nem técnica nem administrativamente?

A solução passa, necessariamente, pela criação de uma rede, com integração de banco de dados, pela definição da vocação assistencial de cada um, com back office único, por meio de um centro de serviços que compartilhe gestão de compras, estoque, contas a pagar e receber e gestão de pessoal, reduzindo assim os custos operacionais, desperdícios e ganhando eficiência e economia de escala.

Como existe grande resistência a mudanças, a melhor solução para esse novo modelo de governança seria o governo estruturar uma parceria público-privada, transferindo ao setor privado a manutenção predial e a gestão operacional, seguindo o exitoso modelo existente noutros países como Espanha ou Portugal.

O Rio não pode abandonar seus hospitais federais. Precisamos de uma rede sem crises nem problemas crônicos. Torcemos para que a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e sua equipe garantam um futuro de governança exemplar, com transformação digital, e de retorno ao protagonismo na qualidade assistencial e na formação de profissionais que foram motivo de orgulho nacional no passado.