fonte: O Globo

por Jorge Darze, diretor da Federação Nacional dos Médicos

Apesar do nosso respeito pelo autor do artigo “Parcerias contra a crise dos hospitais federais no Rio”, publicado pelo GLOBO na semana passada, não podemos concordar com suas teses sobre a crise dessas unidades. Fazer parte da democracia é ter o direito de discordar e apresentar uma visão distinta sobre um problema tão complexo. Desde a promulgação da Constituição de 1988, até hoje nada foi feito para livrar esses hospitais das muitas dificuldades que enfrentam.

Só quando o programa Fantástico revelou a situação precária dessas unidades, o governo federal parece ter despertado para a gravidade do problema e apresentado soluções atabalhoadas, sem ouvir o controle social previsto na Lei 8.142 de 1990 e sem abrir um diálogo efetivo com as instituições representativas da sociedade civil. Para quem defende o SUS, essa postura é um erro grave.

O Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro já se posicionou contra as propostas apresentadas pelo governo até o momento, pois elas representam um risco de privatização e desrespeito à Constituição Federal, que estabelece a saúde como um direito de todos e dever do Estado.

Ao longo dos anos, o governo federal abandonou deliberadamente esses hospitais, permitindo que deputados indicassem as direções das unidades e a gestão fosse feita para satisfazer interesses político-partidários, em vez de priorizar o atendimento à população. Essa é a verdadeira raiz da crise, que não é de hoje, mas vem se acumulando há décadas.

Além disso, o Poder Executivo não realiza concursos públicos há mais de 20 anos, o que resultou numa perda enorme da força de trabalho, sem a devida reposição. Instituições como a Fiocruz, reconhecida pela sua excelência na formação de gestores públicos, poderiam ter sido convocadas pelo Ministério da Saúde para oferecer treinamento e apoio à gestão desses hospitais. No entanto, essa iniciativa nunca foi tomada, contribuindo para a precarização e partidarização das unidades.

Não basta o governo se unir ao setor privado na tentativa de resolver o problema. Essa não é a solução. Esses hospitais federais são e sempre serão referências locais e nacionais, desde que tratados com o devido respeito e com o cumprimento da legislação do SUS. Vale destacar que quase todas as unidades públicas têm a presença do setor privado em suas instalações, distorcendo a regra constitucional de que o privado é complemento. Aqui incluo as instituições que são chamadas de públicas, mas não dizem que são de direito privado. Guiam-se pelas regras do setor privado, utilizando grandes somas do dinheiro público que deveria ir diretamente para essas instituições. As greves nos hospitais universitários revelaram as fragilidades dessa parceria.

Portanto, a crise dos hospitais federais no Rio de Janeiro é, de fato, inteira responsabilidade do Ministério da Saúde, que, ao longo dos anos, abandonou as unidades, permitiu a interferência política e a precarização do quadro de servidores. A solução passa, necessariamente, pelo fortalecimento do setor público, com a realização de concursos, o estabelecimento de uma carreira que incentive esses profissionais, a valorização da gestão pública e o investimento na manutenção e modernização de tais estruturas, tão importantes para o atendimento à saúde da população.

Presidente Lula, sendo o senhor um democrata e defensor do SUS, solicitamos que suspenda as medidas propostas pelo Ministério da Saúde e nos receba, a fim de estabelecermos um diálogo democrático. Ouça a todos nós, para que, juntos, encontremos uma solução em favor do SUS.