fonte: Folha de SP
por Antonio Carlos Rosa de Oliveira Junior – especialista em finanças e assessor técnico Conselho Nacional de Secretários de Saúde ( Conass); Blenda Leite Saturnino Pereira – mestra em ciências da saúde e assessora técnica em Economia da Saúde do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems); Jurandi Frutuoso – mestre em saúde coletiva e secretário executivo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass); Mauro Guimarães Junqueira – especialista em saúde pública e secretário executivo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).
A Reforma Tributária tem sido um tema recorrente de discussão devido à complexidade do sistema atual e a necessidade de torná-lo mais justo e eficiente. O Sistema Tributário Brasileiro (STB) é conhecido por ser um dos mais complexos do mundo, com profusão de impostos, contribuições e taxas cobradas nas diferentes esferas de governo. Uma das principais características da proposta é a simplificação: unificação de impostos, redução da complexidade do sistema e facilitação do cumprimento das obrigações tributárias. Assim, além de maior eficiência tributária, a Reforma tem o potencial de melhorar a arrecadação e diminuir a evasão fiscal, promovendo a equidade.
A respectiva regulamentação está em tramitação no Congresso Nacional por meio dos Projetos de Lei Complementar (PLP) n. 68 e 108, propostos pelo Poder Executivo Federal em 2024, e introduz mudanças significativas no STB. A reforma simplifica o sistema tributário por meio da substituição de vários tributos — ICMS, ISS, PIS, IPI e Cofins — pelos novos Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), além de introduzir o Imposto Seletivo (IS) focado em produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Essas mudanças visam aumentar a eficiência, a equidade e a competitividade do sistema tributário nacional.
A reforma tributária traz implicações diretas para o financiamento da saúde, especialmente pela extinção dos impostos anteriormente assegurados como o ICMS e ISS. Por isso, é importante destacar os impactos no financiamento das políticas públicas no Brasil e em especial no financiamento da saúde.
Para além da extinção de alguns tributos, a Reforma mantém as alíquotas de tributação reduzidas para o setor privado, podendo indicar um potencial aumento do gasto tributário. O gasto tributário federal anualmente corresponde a dois orçamentos do Ministério da Saúde
No tocante ao planejamento e adaptação, os gestores do setor saúde devem desenvolver estratégias para adaptarem-se ao novo sistema tributário. Isso envolve a reavaliação de orçamentos e a preparação para possíveis flutuações na receita, o que pode requerer um planejamento financeiro mais conservador e estratégias para lidar com incertezas.
A Reforma Tributária é um passo significativo na direção de um sistema mais simplificado e moderno. No entanto, as mudanças trazem desafios particulares para o financiamento de serviços fundamentais como a saúde. Ainda há poucos estudos em que é demonstrada a mudança do mapa de arrecadação de estados, Distrito Federal e municípios. O PLP n. 68 define que cada ente deverá aprovar em lei ordinária a respectiva alíquota do IBS. A previsão de um fundo de compensação proposto pelo PLP n. 68 para aqueles entes que irão sofrer queda na arrecadação será fundamental para enfrentar os desafios vindouros. De toda forma, será necessário repensar o formato do sistema tributário local para evitar possíveis perdas no futuro e uma abordagem equilibrada e cuidadosa, que inclua planejamento estratégico, defesa de conquistas e colaboração para garantir que os objetivos da reforma se alinhem com a exigência da manutenção e ampliação dos serviços públicos adequados à necessidade da população.
Ao mesmo tempo em que a Reforma Tributária promove simplificação e modernização do sistema tributário, traz consigo vários aspectos que merecem atenção, pois podem ter implicações profundas, especialmente para setores críticos como a saúde. É importante observar o risco de desvinculação de receitas. A reforma prevê a eliminação de vários impostos que possuem parte de suas receitas vinculadas diretamente ao financiamento do setor saúde. A fim de garantir a mesma vinculação dos tributos atualmente existentes, é necessário manter e adequar as normas existentes. Uma possível desvinculação pode resultar em uma diminuição da previsibilidade e estabilidade do financiamento para esses serviços essenciais, o que pode afetar a qualidade e a continuidade das políticas públicas no País.
O mesmo ocorre com a complexidade na transição. Apesar do objetivo de simplificação, o período de transição para o novo sistema tributário pode ser marcado por complexidades significativas. Erros de implementação, lacunas legais e dificuldades de interpretação das novas leis podem criar desafios operacionais para as administrações tributárias e para os contribuintes.
Assim como os riscos de centralização da arrecadação, há a preocupação com o aumento de arrecadação concentrado na esfera federal, o que pode reduzir a autonomia fiscal dos estados e municípios. O sistema federativo brasileiro exige autonomia financeira e tributária para os entes federados. A proposta centraliza a instituição de tributos e cria um comitê gestor, que terá competência para uniformizar a interpretação da legislação do IBS, decidir sobre contenciosos administrativos e coordenar a fiscalização e as ações de cobrança administrativa e judicial do imposto. Um dos receios é que as mudanças propostas venham a prejudicar a autonomia tributária e influenciar a autonomia política. Isso pode levar a desequilíbrios e ineficiências na distribuição de recursos, afetando a capacidade dos governos locais de atender às necessidades específicas de suas populações.
Outros pontos que devem ser destacados dizem respeito à equidade fiscal, o impacto nos preços ao consumidor, assim como o aprimoramento das ferramentas tecnológicas na gestão tributária. O conceito de equidade fiscal refere-se à justiça e igualdade na maneira como os impostos são aplicados e distribuídos entre os cidadãos. Ele se baseia na ideia de que o sistema tributário deve ser justo, de forma que pessoas e empresas contribuam de acordo com sua capacidade econômica. Embora a reforma busque promover a neutralidade e a eficiência fiscal, existe o risco de que as mudanças não sejam equitativas, beneficiando certos grupos ou setores econômicos em detrimento de outros. Isso pode agravar desigualdades existentes no sistema tributário. O impacto nos preços ao consumidor refere-se à implementação de novos tributos (Imposto Seletivo), destinados a produtos considerados prejudiciais, buscando elevar os aumentos de preços para os consumidores. A adoção de novos sistemas fiscais leva à necessidade de atualização de softwares de gestão tributária e implicam em custos adicionais, tanto para o governo, quanto para as empresas, representando um desafio significativo, especialmente para pequenas e médias empresas com recursos limitados.
Estes aspectos, além de exigirem atenção cuidadosa, necessitam planejamento estratégico eficaz por parte dos formuladores de políticas para minimizar impactos adversos, garantindo uma transição suave para o novo sistema tributário, sem prejuízo aos serviços essenciais colocados à disposição da sociedade.
Impactos no financiamento da saúde
A reforma tributária pode ter impactos no financiamento da saúde. Atualmente o gasto em ações e serviços públicos em saúde no Brasil, correspondem a 4% do Produto Interno Bruto (PIB), abaixo da média dos países com sistemas universais de saúde que alcançam 8%, segundo dados do IBGE. A criação de impostos mais eficientes e a definição de uma parte dos recursos especificamente para a saúde são passos fundamentais para garantir a sustentabilidade e a melhoria contínua do sistema, já que, segundo o SIOPS, 60% dos gastos públicos em ações e serviços em saúde provêm de estados e municípios.
A implementação da nova norma apresenta desafios significativos. As entidades representativas dos setores de saúde precisam adotar uma postura ativa na defesa e promoção de seus interesses, assegurando os recursos necessários para a manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso requer uma atuação direta junto a legisladores e governantes, para garantir que as necessidades do setor sejam levadas em conta na formulação de novas leis e regulamentos. Paralelamente, é essencial mobilizar o apoio da sociedade para aumentar a conscientização sobre o impacto das políticas de saúde, além de colaborar com outras organizações com objetivos semelhantes, fortalecendo a influência sobre as políticas públicas. A utilização de audiências públicas, fóruns de debates e redes sociais para apresentar dados e recomendações é vital para a formulação de políticas mais eficazes e justas, assegurando a sustentabilidade e a equidade dos setores críticos a longo prazo.
A reforma tributária exige um esforço colaborativo entre as esferas de governo e os setores afetados para mitigar possíveis impactos negativos. O diálogo contínuo e a colaboração são fundamentais para ajustar a legislação e as práticas administrativas de forma a apoiar adequadamente o financiamento da saúde. Assim, ao alinhar a arrecadação de recursos com a necessidade de investimentos contínuos na saúde pública, a reforma tributária pode não apenas fortalecer a base financeira do SUS, mas também reforçar o compromisso do País com a justiça social e a equidade no acesso aos serviços de saúde.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora ou autor não necessariamente expressa a opinião do Instituo de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).